terça-feira, 28 de julho de 2009

Remixing Olga Gonçalves & "A Floresta em Bremerhaven"


Quinta-feira, 23 de Julho de 2009

- Senhora, não quer levar papaia? Não? Mas olhe que está madurinha, mesmo boa para comer. Como diz? Ah, não gosta de papaia, prefere manga. Por acaso tenho aqui umas saborosas que trouxe dos Órgãos, fica ali quem vai para... ah, a senhora conhece. Não, desculpe, não sabia que era de cá. Sim, está bem, mas que interessa se é portuguesa se é aqui que mora? Nós somos do sítio que nos vê adormecer e acordar todos os dias, não é deveras? Pois! As maçãs? Quais, aquelas vermelhas? Cinco para cem. Não, senhora, não posso, então eu compro-as a quinze escudos cada uma, tenho de ganhar algum. Mas olhe que são boas, pode confiar. De certeza? Oh senhora, leve lá, dê uma ajuda aos pobres. Como diz? Ah, está bem, fica para amanhã.

Terça-feira, 28 de Julho de 2009

- Professora, professora, espere aí! Professora, iiiiiiiii, já corrigiu o meu exame? Ai professora, era difícil... não, não li os Maias.... oh professora, é muito grande! Só li até à página quarenta e tal parece, a parte da história de... iiiiiii.... Augusto da Maia, é isso, e não tive tempo de ler mais. Pois, eu sei. Sim, a professora avisou que ninguém passava se não lesse, mas professora tínhamos muitos trabalhos, apresentações, tivemos teste a linguística no último dia de aulas e tudo...
Oh professora, veja lá se dá uma ajudinha, só tenho a literatura atrasada, professora. Esforcei-me tanto, a professora sabe que fui a todas as aulas e participei, professora. Oh professora, não diga isso. Então não participei? A professora não se lembra daquela vez que até lhe perguntei se o Garrett teve um grande desgosto de amor, não se lembra professora? Sim, lembro-me. Lembro-me de ter falado na participação petrinente, ah? Ah, sim, pertinente. Sei o que isso quer dizer, sei, mas oh professora, vá lá, dê uma ajudinha!

domingo, 26 de julho de 2009

Glimpses


Decidiu entrar naquele quarto sem fazer barulho. Os ritmos tribais descontrolados do seu coração ouvia-os na alma, bem mais alto do que o ligeiro ranger da porta de madeira ao abrir. Contemplou a escuridão antes de se embrenhar nela e ainda teve tempo de sentir o odor que as roupas deixadas ao acaso exalavam. Cheiro de música dançada até de manhã, de gotas de whisky que se derramaram, de gargalhadas ébrias. Deu um passo leve, quase suspenso numa nuvem, e enfim entrou naquele quarto onde o seu riso e suor ainda escorriam das paredes. Girou o pescoço para a esquerda, os poucos riscos de luz que a persiana quase fechada permitia que cruzassem aquela escuridão deram-lhe a ver os quadros na parede, o pequeno móvel de madeira com livros, a porta do guarda-vestidos aberta por onde espreitavam mangas de camisas raramente usadas. Sorriu. À direita mal se percebia o desenho da negra que rasgava a parede amarela, por baixo a mesinha de cabeceira: dois maços de cigarros, um relógio de pulso e um copo de vidro vazio. Em frente à persiana mal fechada, quase encostado à cortina, aquele vulto enrolado nos seus sonhos, boca aberta de bebé de onde, mesmo a dormir profundamente, espreitava um sorriso. Demorou-se a contemplá-lo, queria pegá-lo ao colo para sempre. Em vez disso sentou-se ao seu lado, as molas da cama não emitiram qualquer som, cúmplices daquele vislumbre secreto. Encostou a palma da sua mão direita à bochecha dele e esperou que acordasse. Quando abriu os olhos pensou que continuava a sonhar. Abriu o sorriso mais belo de sempre!

terça-feira, 21 de julho de 2009

(...)


Reconheces-nos, ó malvado? Sabes quem somos?
Nós somos negros, rastejantes e temos dentes aguçados. Movemo-nos como parasitas dentro do grande parasita que és. Alimentamo-nos dos teus remorsos, banhamo-nos no teu sangue a ferver, percorremos-te triturando-te porque é assim que fazemos o (nosso) bem. E é tão bom devorar-te...

Não te deixamos dormir, não te podemos deixar dormir. Bebemos as tuas insónias como um cálice de Porto depois de uma refeição portentosa. Inchamos na tua barriga quando te sentimos tonto, labutamos em estreita colaboração com o teu cérebro, por isso agimos rapidamente mal vemos a luz escarlate e demoníaca do Medo.

O teu Medo é Glorioso, triplicamo-lo em Êxtase, temos Orgasmos dentro de ti...

Reconheces-nos, ó malvado? Sabes quem somos?
Sabes, sabes bem... somos cinco, aparentemente inocentes, o L, o A, o P, o C e o U.
Junta-nos e matamos-te!

Foto: in minhaspesquisasguilherme.blogspot.com

Pessoa


Sempre actual e genial: a gaveta da memória literária onde se vai buscar um sorriso luminoso.

"Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?"

"Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e a arte de representar) entretêm. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida - umas porque usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana. Não é o caso da literatura. Essa simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso."


"Nunca amamos ninguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos. Isso é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa."


"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas,
que já tem a forma do nosso corpo,
e esquecer os nossos caminhos,
que nos levam sempre aos mesmos lugares.

É o tempo da travessia: e,
se não ousarmos fazê-la,
teremos ficado, para sempre,
à margem de nós mesmos."


"Como é por dentro outra pessoa
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.
Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo."


"Quanto mais eu sinta,
quanto mais eu sinta como várias pessoas,
Quanto mais personalidades eu tiver,
Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver,
Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas,
Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento,
Estiver, sentir, viver, for,
Mais possuirei a existência total do universo,
Mais completo serei pelo espaço inteiro fora."
Fernando Pessoa (1888-1935)


domingo, 19 de julho de 2009

Desculpa

Pedir desculpa não é fácil. Para muitos representa uma golpada no orgulho, um arranhão na veia mais teimosa do seu pequeno mundo, uma cedência ao outro. Há também aqueles que pedem por tudo e por nada, desvalorizando a palavra e vulgarizando-a como um pavão.

Há um tempo certo para olharmos alguém nos olhos. Assumirmos os nossos erros, mostrarmos a nossa vergonha e, por fim, pedirmos desculpa.

Hoje é isso que quero fazer: Desculpa-me.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

What's wrong with us?


Gostava de entender o que nos falta para sermos felizes, do que nos queixamos com tanta insistência, por que raramente estamos satisfeitos com aquilo que temos ou, pior, com quem somos. Estou farto disto, não tenho paciência para aquilo, assim não dá, quem me dera mudar de vida.... os argumentos multiplicam-se e as razões enumeradas são, quase sempre, extremamente abstractas. Ou pequenas.

Afinal, do que nos queixamos? Não nos estaremos todos a boicotar?

Um dia um sábio disfarçado de homem comum advertiu-me que a felicidade, o verdadeiro e puro prazer, residem apenas nos detalhes, naqueles momentos aparentemente insignificantes e longe dos lugares-comuns. Degustar um brigadeiro demoradamente. Fazer uma fotografia com toda a técnica de que dispomos. Sentir o vento no rosto?

Há dias descreveram-me o pôr-do-sol visto de uma das ilhas Bijagós, na Guiné-Bissau, e vibrei com os laranjas intensos e os vermelhões que rasgam o céu saídos daquelas duas bocas que, iluminadas, partilhavam aquela experiência única de "viver simplesmente" num sítio onde os vizinhos têm as portas abertas e se sentam às soleiras escuras para conversar e contemplar as estrelas.

Do que estamos à espera para sermos felizes?
Stop talking & Start Living!

Foto: Luís Fonseca (2007), blogueforanadaevaotres.blogspot.com