Às 20h00 são cada vez menos os que se passeiam pelo centro da cidade e é a esta hora que o poeta deixa o seu castelo. “Irreverente e indomável espadachim da sorte e da morte, poeta de vento sem tempo”, Arménio Vieira é, antes de qualquer outro atributo, antes até de ser Arménio, o Conde: auto-denominado com orgulho e amiúde referido por todos os que o conhecem com certa reverência. Arménio, como todos os poetas, é um animal noctívago, não por recusar as delícias do dia mas por insistir em escrever apenas à noite. Começa por sair quando todos os outros regressam e vai pelas ruas desertas, só ele e os cães sarnentos, a recitar Rimbaud, Borges, Baudelaire, Pessoa, tiradas inteiras da Eneida, da Odisseia, o seu prazer literário não tem fim. Esta é a hora em que permite que os alucinantes relâmpagos que lhe ocorrem durante o dia na esplanada central, local diurno de culto perseverante, assentem na poeira da mente e o labor do artífice o domine. Fuma um Marlboro atrás do outro e murmura e recita-se. É um grande egocêntrico, ama a sua lírica acima de todas as outras. É o “tal poeta vadio que olha para as nuvens a ver se algum anjo deixa cair o cigarro”. Já passou certamente a casa dos cinquenta mas conserva um sorriso de puto atrevido que, juntamente com a franjinha preta desordenada e uma ligeira sarda na bochecha, lhe emolduram uma expressão quase pueril.
“Os sapos coaxam, os corvos crocitam,
Cristo falava, Paulo escrevia. Eu sou
como sou. Tenham paciência.”
Passa o dia à volta duma mesa a conversar com os amigos, debate assuntos tão ecléticos como desporto, mundo animal, mulheres, história, política nacional e internacional, literatura e arte em geral; é viciado no tabuleiro de xadrez (a tal ponto que junta sempre uma plateia atenta de jovens à sua volta) e um mulherengo incorrigível. Mulheres não lhe faltam mas considera-as vãs. Quando qualquer par de nádegas sai de cima de si num suspiro final meio abafado, Arménio só pensa em masturbar-se logo a seguir. Não tem prazer, ninguém lhe sabe a nada. Desde aquelas ancas volumosas de há mais de trinta anos, do cheiro a volúpia e a pecado que ela guardava na dobra do pescoço, desde as noites de sexo gritado e espancado, de versos obscenos sussurrados numa mordidela, desde esses tempos que o poeta não conhecia o verdadeiro sabor do amor sexual, o tal que não se compara a qualquer tipo de vulgar brio de corpo. Desde que Maria, de tamanco na mão, lhe apregoara em tom alto e assertivo “Nunca mais te quero ver” ele decidira não mais amar, não mais se entregar a quem quer que fosse. Cumpriu o pedido e nunca mais a procurou. Se por ventura a visse passar na praça da esplanada, a dois metros de si, fazia de conta que aquelas ancas roliças e aquele peito almofadado nunca tinham sido beijados por si. Nunca tinha mordido aquelas pernas, não conhecia de cor o cheiro do seu cabelo.
5 comentários:
Um aviso a todos os leitores assíduos da Maria Ramatxada:
não será fácil continuar a acompanhar esta intriga recentemente transformada em policial. A Maria era uma mulher de variadas e intensas ligações na Cidade da Praia e à Minhoka cabe dar conta de tudo.
Apelo, portanto, à vossa perseverança. Iremos sim descobrir quem a matou e porquê mas, claro, só no capítulo final! Entretanto, já há palpites?
Abraços a tod@s da Minhokinha*
Minhokinha,
É bom que o próximo capitulo esteja para breve... cria aquele suspense e agora nem noticias da Maria?! Estou curioso e sem o mínimo palpite, afinal de contas, quem faria uma coisa tão macabra?
Gostei do Arménio Vieira, do nome e da caracterização que fez do poeta... até fez ir ver o que significava pueril. :)
Só por curiosidade, de quem é a autoria do grito? Do best!
Don't stop ;)
Beijinhos***
Joaquim Barbosa a.k.a. AKA
Olá Minkokinha,que desespero!! tanto tempo, e nada ...
Gostei muito da forma como caracterizas Arménio Vieira. Aquela, "ossos das ancas ligeiramente inclinados para a frente (a marcar dez horas e dez minutos ...... ) está de partir -;)
Adoro-te muito!!! Continua mas com espacinhos pequeninos.
:)
Beijos
Que descrição tão potente de uma pessoa que recentemente comecei a admirar (e que depois disto, parece-me admiro ainda mais). Acima de tudo aplaudo a tua coragem por ousares uma descrição tão 'sui generis' de um escritor conhecido da esplanada dos três grandes quarda-sois, onde tudo se sabe e tudo se conta.
Sinceramente, não quero arriscar palpites nem que termines a Maria Ramantxada tão cedo. Porque cada capítulo é um prazer.
Beijo no coração de quem gosta muito de ti.
ana,
sta d+..
hj djan fazi um parodia li ku nos maria ramantachada..
ago xan trau txapeu pa es deskrison di armenio..
es episodio li.. ki nsta konta ku vingansa a nos killer.. bu suprienden
adooorei
beijos
sofss
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