sexta-feira, 18 de abril de 2008

A Muda: Chapter II

Dá-se aqui continuidade à história dessa caricata muda que, de repente, se vê envolvida num caso de homicídio.
Perdida nestas lembranças fui abanada pelo toque rouco e frio da campainha. Era o vizinho do 4º andar. Como está, passou bem? Se já tinha ouvido a novidade, pois, apanhou toda a gente desprevenida, vinha só contar-lhe porque a menina anda sempre lá por fora. Chegou ontem, não foi? Pareceu-me vê-la com as malas.
Sentado no sofá, o meu vizinho pediu licença para acender o habitual cachimbo. É que para lhe contar a história devidamente só acompanhado de uns bafos bem puxados. Aceso o dito, o sr. Miguel vestiu a sua expressão mais romanesca, arregalou bem os olhos, papalmente abriu os braços e deu início ao relato.
Bem, isto da Muda já não é de agora. Começou tudo com aquela zaragata no 5º andar. Conhece os jovens? De verdade que nunca os viu? As mulheres cá do prédio têm a mania de se juntar à entrada e discutir a… bem, como é que hei-de dizer? O que elas dizem, menina, é que eles são amaricados, sabe? Eu não sei se quero acreditar. Um homem ama uma mulher e não se fala mais nisso! Mas elas… olhe que não senhor Miguel Ângelo, olhe que o senhor não está a enxergar direito. Os meninos do 5º são assim muito delicadinhos, sempre com bons modos. Ah, e o que eles sabem de cozinha? Eles é que preparam almoço e jantar todos os dias, até disse a D. Henriqueta. Andam sempre juntos, não se vê mulheres aqui. Aquilo é o que eles dizem agora que é homossexual, entende? Bem, menina, não sei se me está a perceber mas eu de momento não consigo pôr noutros termos.
Sim sim, murmurei curiosa. E depois, senhor Miguel Ângelo? Como é que a Muda está metida na história dos homossexuais? Então, nesse dia em que lhe falava, há uns mesitos, talvez não vá para mais de três ou quatro, ouviu-se uma grande discussão: pratos a cair, murros na parede, uma gritaria! Nós, os vizinhos, fomo-nos juntando nas escadas entre o 4º e o 5º andar muito coladinhos à parede a ouvir. Lá dentro parecia o fim do mundo! Ouvíamos palavrões a fio, filho deste e daquele, uma confusão de armários a cair, muitos vidros a partir e depois… silêncio! Mas um silêncio, menina, daqueles pesados, olhe, só me conseguia lembrar dos filmes do Hitchcock, sabe? Nisto, uns passos apressados em direcção à porta, nós a ver que vinha aí gente e que nos ia apanhar naqueles preparos. Quisemos fugir mas acabámos por nos atropelar uns nos outros e até fomos atraiçoados por alguns degraus. Só a Muda conseguiu permanecer de pé e atenta. Só ela viu tudo. O que viu? Olhe, menina, um desses jovens a sair do apartamento todo desvairado com os cabelos colados à testa e um ar muito esgazeado. Diz que chamou o elevador e enquanto este não chegava ia murmurando impropérios enquanto fitava a biqueira do sapato. Desapareceu. No dia seguinte a Dona Aninhas foi lá fazer a limpeza. Quando a pobre mulher viu o cadáver do jovem estendido na cozinha desata num ai-jesus desesperado, berra por este e aquele santo, diz que em setenta e três anos de vida nunca tal viu. Tinha sido um homicídio, menina!
Veio logo a Judiciária e quis falar com todos cá do prédio. Também eu lá fui e disse tudo o que sabia. Que me parecia gente séria, queixas nenhumas, não me ocorre sequer uma única vez que tenham feito barulho depois das 22h… nada a declarar! A Muda também foi ouvida e durante muito tempo. A Ritinha até comentou “Caramba, a bófia não larga a Muda!”
No fim dos inquéritos, a Judiciária agradeceu e disse que o homem estava a monte. Monte? Qual monte?, perguntei eu. Só se for no Picoto! Não, não, senhor Miguel, a monte quer dizer fugido. É um fugitivo procurado pela polícia!

1 comentário:

Anónimo disse...

uau Minhokinha :)

Gosto cada vez mais do teu Spot!
Keep going!!!

Espero asiosamente pelo chapter III


Beijinhos & Go Harder ;)