Mais de setenta anos depois, Cabo Verde continua a ser um país onde muitas crianças lombam na enxada. Vemo-las espalhadas nos meios rurais, nas cidades e mais ainda na cidade capital. Os que lombam na enxada são aqueles a quem é imposta uma vivência ferozmente adulta quando ainda têm idade de brincar e sonhar. Lombam na enxada as crianças sós, as que mendigam um pão. Lombam na enxada os piratinhas que fazem do furto o seu modus operandi, ou os muitos que vagueiam, aparentemente sem norte, em grupos pela escuridão dos becos da cidade. Lombam na enxada os que fazem do areal do Gamboa a sua cama e das estrelas a sua manta.
Não aprendemos nada no último século? Não sentimos os efeitos devastadores dum sistema educativo deficitário, que continua a promover a exclusão por não apoiar directamente a inclusão de crianças marginais? Os marginais não são os criminosos mas sim os que vivem à margem da sociedade. Na Cidade da Praia a marginalidade coabita alegremente com o quotidiano ordeiro e socialmente correcto da maioria. As políticas educativas têm-se revelado alienadas e insuficientes. Sucedem-se os governos, multiplicam-se as medidas mas de facto pouco ou nada muda. Todos preferem fechar os olhos. O poeta português Ricardo Reis, heterónimo do grande Pessoa, havia já aconselhado: “Põe quanto és no mínimo que fazes.” O Ministério da Educação e as autoridades competentes não têm sido, ou não o são, pois não depositam nada do que deveriam ser no mínimo que fazem.
É desolador acompanhar o crescimento duma criança de rua. Ainda no outro dia era tão pequeno, ouve-se dizer. Hoje já não é criança, é um piratinha. Um estado intermédio, nebuloso entre a infância e a idade adulta, entre o Bem e o Mal.
“A educação é o nosso passaporte para o futuro, pois o amanhã pertence aos que se preparam para ele hoje.” (Malcom X)
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