sexta-feira, 14 de março de 2008

Escapadinha ao Maio



Num destes fins-de-semana desloquei-me à ilha do Maio para uma escapadinha. Há momentos em que sentimos uma ânsia de abrandar, reequacionar ou simplesmente desaparecer da nossa rotina. O Maio é a ilha mais próxima de Santiago, os barcos saem da capital todos os sábados, segundas e quintas-feiras. Em duas horas e meia, e por 2.400$00 (bilhete de ida e volta), facilmente fazemos a travessia que nos leva a uma realidade distinta da nossa. A modesta embarcação, em abono da verdade, não comporta grandes luxos: uma sala comum com vários cadeirões já desbotados, bancos de madeira nas laterais e uma parafernália de encomendas agrupadas em caixotes, sacos de arroz, batatas, frigoríficos, um incontável número de cestos a abarrotar. Muitas crianças, alguns turistas, amigos e conhecidos discutindo futebol, um ou outro solitário. Deixámos o cais da Praia às 7h da manhã e chegámos ao Maio exactamente às 9h30. A aproximação à ilha deixou-me boquiaberta: um areal de palmeiras, árvores que se estendiam pela costa, o mar lentamente ficando mais límpido, a língua do cais que nos puxava. Mal pisei o pé na terra, uma simpática rapariga estendeu-me um cartão de uma das poucas pensões locais e alguém me chamou alto pelo nome. Gente da Praia, pensei. E era mesmo. Quando pensamos que estamos a salvo do nosso mundo, ele acaba por nos encontrar. Apanhei o primeiro choque quando me cobraram 200$00 de hiace por um percurso de menos de dois minutos do cais à vila. Xuxadera? Não, não era. Na Praia paga-se menos porque há mais carros disponíveis, vaticinou o condutor que, nesse momento, fez-me questionar se teria a idade mínima para ter a carta de condução. Meus amigos, fica aqui o conselho: podem perfeitamente atravessar o areal, demoram dez minutos, a vista é bem mais agradável e poupam 200$00.
À entrada da Vila do Maio, e pela primeira vez, tive noção do quão distante estava da vertigem da Praia. Naquela marginal virada para o mar, com apenas dois cafés abertos, pude antever como ali se vive noutro ritmo, mais lento, mais morabeza talvez. As ruas são estreitas, em paralelo, e fazem lembrar as pequenas cidades do norte de Portugal ou aquilo que imagino que sejam as mais antigas do Brasil. Ruas por vezes sinuosas, onde a privacidade é quase escancarada, alguém que espreita por uma cortina, um senhor que dorme a sesta, uma mulher que frita moreia à porta, meninas a saltar à macaca, uma senhora a vender fruta, amigos e compadres à porta do “Café Bons Amigos”. Uma casa grande, antiga, verde de portadas amarelas chamou-me a atenção: era o bar e restaurante “Ana Rita”. Fui recebida pela própria e pedi uma catchupa. Era de peixe e honestamente não era das melhores que já comi (a da Rosa, do Tarrafal, continua a ocupar o pódio), embora a vista daquela varanda tenha compensado, em grande medida, o prato menos saboroso.
O mar (da vila) do Maio é bem mais bravo do que alguma vez vi em Santiago. Atraem-me as ondas volumosas, imponentes, rainhas que rebentam com estrondo e esplendor. Sinto um misto muito curioso de atracção e medo e normalmente atiro-me quase irracionalmente. No Maio “bati a bolinha baixa”, isto é, não ousei entregar-me ao rodopio violento daquelas ondas que não davam descanso: cada vez maiores, mais barulhentas, mais ferozes. Inevitavelmente tive de optar pelo mergulho-penso-rápido. Ao fim da tarde, muitos se entregam àquele areal extenso, jogam bola, fazem exercícios, caminham lado a lado com o mar, contemplam o magnífico pôr-do-sol. Em frente, quando o dia está mais claro, Santiago ergue-se quase de forma monstruosa. São os contornos da ilha mais desejada e quase aureolada pelos habitantes do Maio.
Ao regressar na Segunda-feira de manhã (cuidado com as mudanças súbitas de horários da travessia. Inexplicavelmente anteciparam, nesse dia, das 16h para as 11h!), enquanto o barco se afastava do cais, vi a vila a expandir-se, subúrbios a pulular, prédios a crescer, a voz de alguém “Nu ta fazi uns apartamentos li”. Senti um ligeiro aperto e naquele momento soube que nunca mais vou voltar ao mesmo Maio.

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