terça-feira, 10 de novembro de 2009

Notas sobre o surto de Dengue

Ontem à tarde, no Centro Cultural Português da Cidade da Praia, teve lugar uma sessão de esclarecimentos sobre o vírus da dengue pelo Doutor Kamal Mansinho, especialista em Medicina Tropical e concretamente no combate a esta epidemia.

De uma disponibilidade e clareza extremas, o Doutor discorreu durante cerca de uma hora e meia sobre as especificidades do mosquito transmissor da dengue, o quadro evolutivo de uma possível infecção, o caso da dengue em Cabo Verde, passando por medidas de prevenção e também de tratamento. Por último, a senhora embaixadora de Portugal, Graça Andresen Guimarães, abriu a sessão a um momento de perguntas e respostas.
Por ter sido altamente esclarecedor, e porque muitas das pessoas interessadas neste tema não puderam estar presentes, deixo aqui as notas que tirei.

Como poderemos identificar o mosquito transmissor da dengue?
Trata-se do Aedes aegypti fêmea, um tipo de mosquito que se distingue daquele responsável pela transmissão do paludismo porque é consideravelmente mais pequeno, preto com listas esbranquiçadas (daí a designação britânica de Tiger Mosquito), muito nervoso, não pára quieto e gosta de picar em cadeia aproximadamente no mesmo sítio (preferencialmente do joelho para baixo). Manifesta ainda uma clara preferência pelo interior das habitações e aí concentra-se na espécie humana, a sua favorita. O mosquito do paludismo é por natureza mais tranquilo, costuma voar mais alto e ataca exclusivamente ao amanhecer e ao entardecer, escondendo-se no período mais quente do dia.

O tempo decorrido entre a picada e o aparecimento da infecção de dengue é de cinco a sete dias e neste período ainda não somos transmissores da doença. Decorrido esse tempo, quando a infecção entra de facto na circulação sanguínea, em 80% dos casos ocorre uma infecção sem sintomas e os restantes 20% com sintomas.
O primeiro sintoma costuma ser a denominada febre de dengue, também conhecida por "febre quebra-ossos", que se reflecte em febre alta, dores musculares e articulares intensas, fadiga... É benigna em 90% dos casos e muito exuberante nas crianças, sobretudo naquelas com menos de dois anos ou três anos nas quais o risco é bem mais acentuado devido à possibilidade de complicações convulsivas. Muitas vezes esta febre de dengue assume a forma de febre em bossa de camelo, isto é, com picos de febre seguidos por momentos de ausência desta e seguidos novamente por períodos de febre. Podem também, neste momento, aparecer algumas manifestações hemorrágicas (pintas vermelhas espalhadas pelo corpo) mas que não constituem ainda febre hemorrágica! Os momentos de ausência de febre são cruciais porque é aqui que o risco aumenta e que a febre de dengue pode evoluir para os 3% de febre hemorrágica. Quando a febre cai naturalmente, ou seja sem a influência da medicação, as primeiras 24 horas constituem o momento em que a vigilância deve ser maior. O organismo pode atacar-se a si próprio em defesa e o número de plaquetas de sangue pode cair consideravelmente levando ao surgimento de hemorragias. É neste momento que pode surgir o choque hemorrágico, ou hemorragias mais graves (23% dos casos), devendo o doente dirigir-se imediatamente aos Serviços de Saúde pois o choque hemorrágico, que pode acorrer em apenas 24 horas, tem um índice de mortalidade de 95%.

O quadro da dengue em Cabo Verde, segundo o Doutor Mansinho, é o seguinte:

- Em finais de Setembro começaram a aparecer os primeiros casos anómalos (mas que já podem ter tido início em Julho ou Agosto) e alguns médicos do Hospital Agostinho Neto até comentaram que parecia dengue.
- No dia 21 de Outubro é enviado o primeiro lote de análises de sangue para o Instituto Pasteur, em Dakar. O resultado à dengue é negativo. Os médicos pensam que talvez tenham enviado amostras de sangue retiradas muito precocemente, ou seja, ainda no período dos primeiros 5 ou 7 dias entre a picada e o aparecimento dos sintomas. Recolhem então o sangue dum médico em convalescença há cerca de duas semanas e este vem positivo, assim como as restantes amostras enviadas posteriormente.
- A 26 de Outubro chega o primeiro caso de dengue hemorrágica ao Sistema Nacional de Saúde e esta data marca o início da epidemia que, na opinião do Doutor Mansinho, vai continuar em curva ascendente nas próximas 6 a 8 semanas, acabando por estabilizar e enfim diminuir devido às defesas que entretanto a população vai desenvolvendo.
- A 4 de Novembro o governo de Cabo Verde pede ajuda internacional. O Doutor Kamal Mansinho chega no dia seguinte e a equipa de médicos e enfermeiros do Hospital de Coimbra no dia 7 deste mês.

Neste momento, em Cabo Verde, estamos perante uma situação epidémica de dengue (tipo 3), 80 casos contabilizados de Gripe A (vírus H1N1), Paludismo com menor incidência e ainda outras viroses. Não nos enganemos: a dengue vai ficar endémica no país, tal como a gripe é endémica em Portugal. Não vai desaparecer. Vai atenuar e voltar a manifestar-se novamente mais tarde.

O tratamento para a febre de dengue é sintomático e de vigilância. Deve-se beber muitos líquidos, vitamina C e tomar paracetamol quando se tem febre.
A prevenção física vai no sentido do vestuário adequado que cubra o corpo, não esquecendo que as áreas preferenciais são do joelho para baixo, muitas vezes no antebraço, tronco e base do pescoço. As crianças são normalmente mais atacadas na cara. O repelente é eficaz mas não a 100% e devemos escolher um que contenha DEET a 33% (por exemplo, o Tabard) e colocar de 4 em 4 horas.

Saí da sessão mais esclarecida sim... mas nem por isso mais tranquilizada.

4 comentários:

Anónimo disse...

Parabêns e obrigada por este esclarecimento. Neste momento toda a informação é útil, tanto para prevenir como para adoptar novos hábitos.

Beijinhos -;)
IM

Unknown disse...

Excelente relato. Abraço

JB

Ana Rita disse...

Muito bem linda , jdunta mon, abrigado por partilhares :)

Amílcar Tavares disse...

Excelente. Acho que só faltou abordar estratégias para que não volte acontecer no futuro.