Longas semanas passaram sem que Dona Ricardina sentisse a ausência do marido em casa, bastava-lhe estar à janela feita Carochinha à espera do João Ratão. No entanto, numa certa tarde, não sabia explicar porquê, a senhora sentiu uma espécie de aperto no peito. Levou a mão papuda de anéis de ouro ao decote pomposo, soltou um Ai-Minha-Nossa-Senhora-da-Aparecida e virou a cabeça para trás olhando o corredor vazio e silencioso. Nesse momento, a desconfiança, qual pulguinha irrequieta e impossível de apanhar, apoderou-se de si e peremptoriamente abandonou a janela. Pé ante pé dirigiu-se à porta fechada do escritório onde encostou o ouvido. Nada. Foi buscar um copo de vidro à cozinha para o colocar entre a sua orelha e a porta, como tinha visto numa novela, a fim de captar algum som. Nem um pio. Não conseguia explicar a inquietação que sentia, uma espécie de tremor subia-lhe pelas pernas, um rubor instantâneo salpicava-lhe as bochechas rechonchudas. O Fonseca tem uma amante, só pode ser!
Quando se sentaram à mesa para jantar, naquele silêncio sepulcral quotidiano desde que o filho tinha saído de casa, Ricardina examinava com minúcia de ciência forense cada poro do esposo. Pareceu-lhe vislumbrar uma marca vermelha no pescoço, mas podia ser mordidela de mosquito. Fonseca apresentava um semblante relaxado, quase feliz, só podia ser mulher! A sua mente não conseguia parar de gritar: o aleijado do Fonseca arranjou uma vadia! Ainda nem tinha terminado o arroz de frango e o ciúme voraz já a triturava. Olhava o marido com um nojo misturado de raiva e o pobre homem nem se apercebia, perdido nos seus pensamentos. Ricardina sentiu-se rejeitada pela apatia de Fonseca que, naquele dia, pareceu-lhe reveladora de adultério. Só tinha de descobrir quem era a desavergonhada que tinha a audácia de desviar o seu aleijado. Fonseca não prestava para nada, é certo, mas era o seu peso morto e o de mais ninguém! Como se atrevia a lambisgóia? Como ousara essa rameira intrometer-se num sagrado matrimónio de mais duas décadas?
A perna direita começou a mexer compulsiva por baixo da mesa. Tique nervoso secular que denunciava a sua ansiedade.
- Está tudo bem, amorzinho? – arriscou Fonseca numa vozinha de rato.
- Tudo jóia! Tu não vê que está tudo jóia? Que tudo à minha volta é uma alegria só, hã? Tu não vê? – rosnou, a esbracejar num brado, a fera magoada.
Fonseca retirou-se para o escritório em silêncio. Ricardina foi fazer a higiene íntima da noite. Lavou-se com água de rosas perfumadas numa sugestão directa que não mais queria dizer do que “Hoje você vai cumprir com os teus deveres de marido, oh se vai.” Vestiu a camisa de noite mais sexy, guardada no fundo do gavetão há mais de sete anos, vermelha com rendas pretas, kitsch até não poder mais, e deitou-se de lado à espera do seu homem.
5 comentários:
Estou atenta à minhokinha. Saudades. Ana (Porto).
Ai Minhokinha... :)
Vá, estou a adorar e quero mais...
Então?!
A história termina assim.... em pleno, quase acto erótico entre um bela Ricardina e um aleijado Fonseca!
Estou seriamente à espera do final da história.
Espero que não aconteça o mesmo que à descrição dos parolos que prometeu mais mas não mais voltou
Boa sorte.
Gosto dos textos.
Caro Gonçalo, obrigada por me lembrar que o estudo do bracarense ainda não está terminado. Tenho sido um bocadinho preguiçosa...
Quanto à bela Ricardina e ao seu aleijado terá de ter alguma paciência e aguardar o próximo capítulo que já não tarda muito.
Obrigada a todos pelo apoio e pelo carinho,
Minhokinha*
Enviar um comentário