domingo, 5 de outubro de 2008

O bracarense


Esclarecimento prévio: o bracarense é um bicho que faz parte do reino animal português. O factor que o distingue dos demais (o lisboeta aka alfacinha; o portuense aka tripeiro; o coimbrinha ou o poveiro, só para citar uns quantos exemplos paradigmáticos de algumas subespécies peculiares) é o seu habitat natural: o vasto concelho de Braga, rico em freguesias e vilarejos com nomes tão estranhos como Frossos e Priscos.
Arriscaria a dividir o bicho bracarense (por regra um animal de pele morena, cabelo naturalmente escuro e alguma abundância de pelugem) em cinco subtipos, todos eles altamente merecedores de estudo mais aprofundado. Assim temos:

1. o parolo assumido;
2. o parolo polido;
3. o mediano;
4. o pseudo;
5. o colorido.

À primeira vista poderão parecer poucas categorias para tanta e variada bicharada, mas uma análise cuidada e exaustiva certamente concluirá que nestas cinco gaiolas há espaço suficiente para todos os animais. Examinemos cada uma destas começando pelo bicho mais abundante na cidade, o que pipoca em cada esquina, deambula pelas praças e faz de domingo o dia do passeio ao centro: o parolo assumido.

1. O parolo assumido, também carinhosamente apelidado de broeiro, neca ou tóne, distingue-se ao longe pela sua atitude despreocupada, ausente de qualquer tipo de preconceito, de quem não tem nada a esconder. É parolo, tem total consciência disso e muito orgulho bafejado a perdigotos de fino e hálito de tremoços. Nem sequer lhe ocorre, portanto, uma possível mudança de status, sendo por isso um dos subtipos mais honestos consigo e com o restante reino animal.

O comportamento em matilha varia consoante a faixa etária: os que já ostentam pelugem branca gostam de usar corrente de ouro ao peito, como um troféu de alguma façanha vitoriosa, boné surrado quase sempre do Benfica ou do SCB (o nosso Braguinha, como gostam de lhe chamar), ou ainda de um qualquer candidato à presidência de um qualquer trono, bolsa de ganga presa à cintura onde guardam o cartão gasto da Caixa, o BI e mais uns trocos, roupa geralmente coçada e alusiva à moda dos anos 80. Um pormenor que nunca falha é a autoridade, o à-vontade e o savoir-faire que só a experiência permite com que coçam o tomate em público e sem qualquer tipo de pudor. Irritou? Coçou! Se alguém viu, paciência, que não olhasse!
O parolo assumido jovem gosta, antes de mais, do gel. Cabelo irrepreensivelmente lambido e com ar de Cristiano Ronaldo (ídolo de todas as espécies de parolos, venerado na intimidade de cada parola, discutido e aclamado em cada noite de copos), ganga coçada e muito rota, calça justa para salientar aquilo que consideram ser um rabo todo bom, t-shirt preta, colada ao peito e vulgarmente de decote em bico (de onde sobressaem os pelos misturados com os músculos trabalhados e uma corrente de prata à Quaresma) ou camisas aos quadrados metidas para dentro a fazer ver o cinto preto de fivela Far West, Dangerous, e mais recentemente Sexy, bota texana ou sua semelhante que suporta um andar pausado, a armar em engatatão, temperado ocasionalmente com um descarado “ó jeitosa, és boa pa caralho, óbistes?” ou outra pérola do género com que teimam em brindar as fêmeas.


A fêmea do subtipo parolo assumido, por outras palavras, a chamada brejeira, vulgo “labajona” ou mesmo rameira, costuma fazer-se notar imediatamente pelo tom de voz alto acima da média, pronúncia do norte orgulhosamente bem vincada e inúmeros caralhos e fosga-se’s pelo meio. As fêmeas já de uma certa idade optam quase sempre pela madeixa loira a contrastar com a raíz muito preta que emolduram um corte à cogumelo, muitas com franja à Cataratas do Iguaçú, no Inverno não largam o blusão de couro preto largo que pensam fazer conjunto “espectacular” com a saia travada de fazenda pelo joelho, botim preto de biqueira (que é aquela bota que vai até um pouco acima do tornozelo), collant à cor da pele, bolsa de pele-fingida verde ou roxa e laca qb na franja e na poupa que teimam em erguer na testa. Gostam de estar nas portas dos hospitais por qualquer unha partida, enchem os corredores da Segurança Social e atropelam-se nas paragens de autocarro.
A parola assumida jovem é bastante mais complexa porque pode assumir várias formas, desde a já referida rameira pura àquela que se aproxima da parola polida. É normalmente anafada, e se alguma vez teve brilho no rosto foi carcomido pelo característico problema de acne. Regra geral parece que lhe caiu uma garrafa de óleo Fula no cabelo e faz um enorme esforço para se vestir como vê nas novelas: tudo é berrante, tudo é aparentemente fashion, tudo é a menos de 3 euros a peça. A parola assumida jovem sonha em ser como a Floribela e faz do shopping a sua Meca. Para lá se desloca domingo após domingo com as amigas a fim de o percorrer por inteiro no mínimo 27 vezes, sonhar em frente aos modelitos que vê nas montras e consumir o que a magra poupança lhe permite. As tardes de domingo no shopping são, aliás, marca característica dos parolos assumidos, machos e fêmeas, que assim consideram estar na moda.


Em traços gerais, e com a absoluta consciência de que muito ficou por anotar, está aqui apresentado o parolo assumido de acordo com a pena mordaz da Minhokinha. Seguir-se-á o parolo polido, espécie muito manhosa que obrigará a autora a infiltrar-se no submundo perigoso das Modalfas e Fabio Lucci's. A não perder!

7 comentários:

GreenHouseSpecial disse...

De cagar a rir... tive de me conter várias vezes para não me escangalhar na aula!

Está tão bom que queria perguntar o seguinte.... posso coloca-lo no blog da al-qaerva?

Mortinho por conhecer as restantes espécies :D

Por: Catarina Abreu disse...

Impecável descrição. Há espécies similares em Guimarães, a única diferença é que os bonés do parolo assumido sénior são invariavelmente do "Bitória".

P'ras Modalfas e Fábio Lucci's, disfarça-te como os gajos da National Geographic!:) Afinal o vosso trabalho é similar.

Beijinho de saudades. Ansiosa por mais descrições

Anónimo disse...

Nunca imaginei ser possível alcançar tamanha descrição... brilhante!

Ansiosa pelos próximos!

m disse...

ha ha ha. genial! estavas inspirada, amiga :)

Anónimo disse...

Bem, bem, bem, bem...mau, mau Maria (se preferires)!!! Então mas agora quem adora o Cristiano Ronaldo é "brejeira"??? Pronto, ok, então eu assumo: EU SOU LABAJONA (que é ainda pior)! EU GOSTO MUITO DESSE PUTO,HÃ?! É LINDO E TEM UM RABO TODO BOM (agora, se é só das calças é k eu já n sei, mas DUVIDO!).

M.Jane ( ...COM MUITO GOSTO!!!).

;))

Minhokinha disse...

Senhora Dona Mary Jane, mas por quem sois? Se o dito jovem vos apraz quem é Minhokinha para apontar o seu corninho mordaz? Seja feita justiça ao rabiote do rapaz e não nos deixeis cair em tentação! Amén*

liliana pacheco disse...

Ahahah! Eu vivi 5 anos em Braga e sei bem que todas as espécies de que falas cabem bem nessas 5 gavetas. Eu própria, sei qual me cabe melhor ;).
Texto hilariante, parabéns!