domingo, 10 de agosto de 2008

Maria Ramantxada IX

Quando Aristё ouviu as ideias debatidas entre o professor Santos-Lima e o poeta Arménio, os olhos castanhos brilharam como lantejoulas em mini-saia de crioula, o sorriso abriu rasgado e sonhador, os irrequietos caracóis do seu cabelo espetaram-se (ainda mais) no ar e gritou, qual Salgueiro Maia frente ao Carmo: MANIFESTAÇÃO! REVOLUÇÃO!
Lutar por um ideal (quanto mais utópico melhor) e levar Cabo Verde ao pódio dos países mas desenvolvidos (outra grande utopia) eram o sal da vida desta jovem para quem todos os dias eram potenciais conquistas. Vivia, respirava, sonhava e aclamava o mito: Cabral! A força de Cabral, o pensamento de Cabral, a luta de Cabral e, consequentemente, as campanhas de cidadania e afins em nome de Cabral. Magra, alta, cor de café com leite, vestia sempre roupas largas, de inspiração rastafari, que não salientavam a sua figura atlética mas sim as suas convicções mais profundas: gorro de lã à semelhança do que Amílcar Cabral usava, t-shirts largas com mensagens ecológicas (Salvem as Nossas Tartarugas Já!), políticas (Fuck Dictatorship!) ou simplesmente motivadoras (A Melhor Forma de Prever o Futuro é Criá-lo!), calças de ganga surradas e havaianas gastas pelas muitas caminhadas já efectuadas pelo interior da ilha de Santiago. Aristё não era dada a namoros, embora já lhe tivessem sido atribuídos muitos. A culpa era certamente dos seus intensos olhos castanhos, ligeiramente caídos como os do seu pai, doces, de mel, tão inocentes e sonhadores como os de uma criança de oito anos. Era com esse olhar que arrebatava até os corações mais duros, com o seu optimismo teimoso conquistava a simpatia de todos, com a sua inteligência e dinamismo a admiração geral da cidade. Era preciso organizar uma manif de um dia para o outro? Aristё! Dar a cara por alguma causa humanitária? Aristё! Reunir voluntários para limpar a imundície das praias de mar? Aristё! Fazia tudo o que pudesse, e o que não pudesse arranjava maneira de poder, pelo povo e sobretudo contra o sistema! O que era o sistema? Bem… isso era uma questão que fazia a jovem cabo-verdiana subir ao palanque por horas a fio fazendo com que até os seus amigos, por vezes, bocejassem. O sistema, nas palavras da própria Aristё, é tudo à nossa volta, toda a podridão do comodismo institucionalizado, a atitude generalizada de recusa de eficiência, o meter ao bolso dos governantes, o desleixo para com os que realmente necessitam de ajuda, os Prado shinning new a 140Km/h dos que estão no poder, o estado caótico a que chegou a gestão da cultura cabo-verdiana… et caetera, et caetera.
Quando a jovem recebeu o telefonema de Santos-Lima ficou a saber que este pretendia desmascarar as informações erróneas divulgadas por Vivian Espírito-Santo de Totta & Açores e que planeava um estrondoso movimento de cidadania em defesa da honra e virtude imaculadas da amiga. (MANIFESTAÇÃO! REVOLUÇÃO!) O professor encontrava-se mesmo em processo de negociações com a televisão nacional a fim de obter um prime time (antes ou depois da novela, claro, nem ousaria propor que a tirassem da antena por uma noite que fosse) onde pudesse reunir as pessoas que realmente conheceram a senhora dona Maria, mulher ímpar e marcante mas neste momento objecto de calúnias infundamentadas. Para isso necessitava do savoir-faire de Aristё em matéria de organização quase-instantânea de tal evento monumental. Recordou, com uma lágrima, o vigor e o sorriso de Maria e Aristё acedeu num segundo. Também ela se tinha habituado às ancas de Maria Ramantxada a saracotear no Plateau, ao seu habitual “Bons dias, passou bem?” e estava, sobretudo, horrorizada com tal crime brutal. Se era para apanhar o culpado e prever futuros homicídios que contassem com ela. Hasta la Vitória. Siempre!
Num minuto e meio Aristё abriu o seu Asus cinzento e preto numa dessas pracinhas onde se surfa na Internet gratuitamente e enviou um e-mail colectivo a mais de metade da Cidade da Praia, vulgo gente-mais-que-influente, a convocar para a grandiosa manifestação em defesa do bom nome da Senhora Dona Maria. E também em protesto declarado contra o jornalismo vergonhoso praticado em Cabo Verde. E já agora, pensava Aristё com os seus caracóis, também se aproveitava para mandar umas bocas ao sistema. Orgulhava-se imenso dos seus conhecimentos de informática e web. Gostava de sair à noite com os amigos e, de vez em quando, deixar levar-se por um bom krioulo, mas o que a punha em verdadeiro êxtase, quase tanto como repetir in viva voce o testemunho de Cabral word-by-word, era perder-se nas inúmeras funcionalidades do Excell e do Outlook, do iGoogle e do Blogger, do Windows Altavista e do Linux, enfim, de todos os zeros e uns que compõem o sistema (este bem mais benéfico para todos) informático em rede.
Profissional e irresistível como sempre, as suas palavras foram cegamente cumpridas por todos aqueles que receberam o seu mail. E assim, no dia seguinte, às 18h30 em ponto (feito notável na História de Cabo Verde), uma vasta multidão surgiu da Rua dos Prazeres, com Santos-Lima na dianteira, atravessou a esplanada do café central (o jogo de xadrez foi imediatamente cancelado) e instalou-se, à espera de outros tantos, no jardim da praça em frente à Reitoria.
Arménio, impávido, assistiu a tudo da porta duma tasca muito ranhosa ali do lado, o PéXungosodiPomba. Tou fodido, soltou-se baixinho da sua boca. Despejou um grogue garganta-abaixo, acendeu um Gigante e, de camisa aberta e transpirada até ao umbigo, passos lentos a marcar 10 horas e dez minutos, foi placidamente juntar-se à multidão.

9 comentários:

Unknown disse...

uau ficou emocionante. Aristë então, nossa já tinha sacado que tava sendo investigado, mas a ponto da caricutura se enfiminar é dossseee.....

Bem mas gostei, parece que agora é que vai ser. O thriller tá ficando emociante.

Quem matou Maria?? Exige-se saber minhokinh@! ;)

Anónimo disse...

Aristë... que nome lindo!!!! Vá... sinto que está quase lá... continua a postar, estamos todos a gostar!

Anónimo disse...

Juro que ia perguntar-te se o rebel Ariste era quem eu pensava ser (com direito a mudança de sexo e tudo).
Mas agora vejo que acertei na mosca. Está muito divertido.
Abaixo o Babylon System.

Isto está muito "rendóza". Personagens andam a pipocar.

Mas continuo a reivindicar a grande discussão e como o tide, exijo saber que matou Odete Roittman, upss, quero dizer, Maria Ramantxada.


Pa frenti k'e kaminhu.
Forsa.

Minhokinha disse...

Muita calma, muita calma!
Mais dois capítulos e todos saberemos quem matou a Maria. E porquê. E o que torna Arménio e Santos-Lima arqui-rivais... tudo!
Estamos quase lá!!

beijos a todos da Minhoka e um Big Smile :)

Anónimo disse...

Ol� Minhokinha -;) Adorei a personagem Arist� at� pela mudan�a de sexo !!
Tou curiosa pelos pr�ximos capitulos, principalmente pelo duelo dos "enxadrezistas" , como diz o Samori -;)
Um beijinho para si, Samori -;)

Isabel

Ana Rita disse...

Olé!Eu estou aqui nas minhas férias lusitanas e já virei info-incluida atentissima á história dessa Maria.Confesso que a entrada triunfal da Ariste até me fez esquecer que existe uma morte por explicar!Espero que a Minhokinha não tire férias porque eu estou á espera do desenrolar da revolução!
Abraço apertado!

Al-Qaerva disse...

Não arranjas ai um date com a Aristё? :P

Parece uma activista da Al-Qaerva.

Gostei bastante do nome e da personagem... curioso pelos últimos capítulos!

P.S. - Windows Vista ;) bacione***

Anónimo disse...

I would say Ariste is not available, don't you think Minhoka?
So, who killed Ramantxada?

Sofia Fonseca disse...

"dos seus intensos olhos castanhos, ligeiramente caídos como os do seu pai, doces, de mel, tão inocentes e sonhadores como os de uma criança de oito anos" ohhh

ariste.. k xike :)

ta d+

tamos todos juntos com o ariste.. eu tb estou a sentir a dor da difamacao da nossa ramantchada..

enforca para o killer.. desde k nao seja nha elizabete :D

beijoooos,
sofss