sexta-feira, 30 de maio de 2008

Título ainda não vislumbrado


Ouvem-se os nomes, a sentença. Cada uma das sete meninas levanta-se, olhos fitos no chão, e encaminha-se para a entrada. A oitava, a ruiva, pede para ir no grupo. Tem de aguardar.


Chamam-na para a fotografia numa sala com flash. Não sorri. É grande, já é grande!


Seguem-se as outras. Uma voz esganiçada de peixeira de mercado chama cada uma. Elas vão, elas voltam e riem-se em cochicho. Fechadas num corredor escuro e frio duma sala dos fundos e sentadas num banco negro corrido.

Assistem, apertadas, ao desfile dos utensílios. Um a um. Enquanto a mulher da limpeza empunha uma esfregona e tenta fazer uma piada brejeira. Algumas riem, outras apenas sorriem, mas de imediato escondem a cabeça por entre os braços apoiados no corrimão. Ah... os segredos e os desabafos que se escondem sob aqueles níveos azulejos simetricamente hospitalares.

Só a ruiva não esboça sequer um começo de sorriso. A ruiva suspira audível, a sua avó sempre dizia que um Ai bem dado (isto é, prolongado, com a quantidade certa de ar expirado: Aaaaaaiiiii) muito alivia!


Irrompe o Maquilhador, hispânico e recto. Olhando para cada par de olhos à sua frente atira assim: alguém tem tosse? alguém bebeu? alguém comeu? alguém sente um aperto no peito?

Ninguém respondeu, mas todas sentiam o coração enclausurado numa caixinha rota e frágil muito pequenina que quase o impedia de bombear.


Eu bebi chá, dei dois goles de chá antes de vir, confessou a ruiva, dando a conhecer a todos a sua voz entrecortada.

O Maquilhador nem quis ouvir mais nada, todo o seu trabalho estava comprometido, com chá nada feito, nada de preparação prévia, a ruiva iria para o desfile sem o mínimo de glamour, sem corrector de olheiras, sem fond-de-teint, sem gloss, o mínimo brilho, podia dizer adeus às sombras e ao rímel, pestanas volumosas e bem desenhadas... com chá nada feito! Peremptório!


Ouvem-se os primeiros nomes gritados lá do fundo. A menina levanta-se, a outra também. Riem-se para as restantes para afugentar o medo. O medo de não voltar.

Desaparecem no fim das escadas, rumo ao fundo do edifício. Silêncio. As meninas que ainda esperam no banco corrido já não riem. Mascaram os seus pesadelos com olhares cúmplices de confiança.

Mais dois nomes, mais duas que se levantam. A ruiva fica a vê-las. A porta está aberta. As meninas descem as escadas, tiram as roupas, vestem o vestido da moda. Levam todos os seus objectos dobradinhos em quatro debaixo do braço. Se me perder, se ninguém me encontrar esta sou eu. Chamam as luzes da passerelle. As meninas têm de entrar. Assim, despojadas de tudo o que lhes é próximo, são as meninas de sua mãe, as meninas das suas casas de bonecas, as meninas que ainda babam na almofada.


A ruiva fica de fora. Não vai por causa do chá e assiste à entrada de cada uma. Todas a fitam com um sorriso. Todas se despedem em verde água e partem em direcção à luz.

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