- Não houve um só dia em que não me tenha apaixonado por ti. Em que não tenha pensado, em pleno voo, desmembrar-te à bicada. Apenas te quero dizer, Alexandre, que cheguei a entender a linguagem límpida dos pássaros, a ler o nosso futuro nas entranhas das vítimas, a vencer o medo, as serpentes por meio de encantamentos, a evocar as sombras, a escavar a cidade até aos nossos abismos profundos, a fazer do dia noite e da noite fazer dia.
(…)
Ficas assim, o suor escorrendo-te da fronte, os lábios estremecendo, as mãos aflitas sobre o peito – os olhos esbugalhados a perscrutarem no escuro os olhos felinos dalgum aéreo visitante.
Por vezes, não conseguimos viver com aquele que amamos – e por ele perderíamos tudo, incluindo a razão.
Vive-se sozinho, meio acordado, numa espécie de torpor. E no interior das pálpebras fazemos aparecer o rosto amado.
Gostaríamos que estivesse aqui, ao alcance das palavras que reinventamos para lhe sussurrar, ao alcance da mão e da boca, ao alcance dos sentidos e do desejo imediato.
Um ardor estranho sobre a pele e nos olhos impedem-me de continuar vivo. Morro sem pressa. Começo por cegar para conservar o teu sorriso – não o quero ver afastar-se para sempre, na velhice ou num esgar.”
“Do ardor da paixão à morte no poema”, Dispersos, Al Berto
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