terça-feira, 18 de março de 2008

My books, my life

“Do que é que te lembras? O que é que guardaste para ti como recordação marcante do teu passado, que faz de ti quem tu és hoje? Quem são os outros? Pessoas Personalidades? Acontecimentos? Artistas? Poesia? Um beijo? Há beijos que não se esquecem.”

Ontem acabei de ler, extasiada, o último romance de Cláudia Galhós (Lisboa, 1972) que encerra a sua Trilogia Rock, O Tempo das Cervejas. É difícil encontrar e ordenar palavras que consigam exprimir o que senti durante a leitura das 430 páginas e mais complexo ainda seria tentar descrever o último fôlego, ontem à noite. As experiências de vida de Amália, Teresa, Fabien, Julián, Anita, Jonsy Waist e Carlos Ruiz, tão ordinárias quão extraordinárias, existem sob a voz de Amália Rodrigues, os acordes da rouquidão desesperada de Kurt Cobain, o saudosismo de Zeca Afonso, a sonoridade cavalheiresca de Paolo Conte, The Doors, Tindersticks… A forma como oscilam entre o consciente e o inconsciente, o real e o virtual, o que é e o que poderia ter sido, a consciência (ou a falta dela) da lacuna entre o ideal artístico e as possibilidades e meios para o atingir, levaram-me a girar a lente de enfoque e apontá-la directamente para o meu umbigo. São vidas que se cruzam de maneira cândida e quase predestinada, são cidades que se visitam (ou às quais se regressam) numa espécie de voltinha pela nossa mais íntima memory lane. Lisboa, Paris, Lecce, Viana do Castelo. São experiências e recordações que se misturam com as nossas, devolvendo-nos uma realidade híbrida, matizada e que não conseguimos apurar bem se é, ou foi, a nossa. Será a vida transposta para a ficção ou talvez a ficção que complementa a vida.

Um miminho para todos aqueles que, como eu, respiram intensamente o ambiente dos festivais de verão portugueses:

“Portugal no Verão é um arraial de liberdade sonhada. Para despir o corpo, celebrar o sol, a música, o sexo, as drogas…
E ainda hoje o povo entoa, num coro abafado pelo pó, um verso de Zeca Afonso. Eterno. Actual. Só a causa política é já uma miragem.

Fizemos uma caseira revolução hippie, na crença do “paz e amor”, a vislumbrar esse mundo de “sexo, drogas & rock ‘n roll” por terras do Alto Minho. Lá para o norte, para os lados de Caminha, Barcelos, e Viana do Castelo.

Desde há alguns anos, um grupo de amigos marcava encontro no Festival Vilar de Mouros. É o mais antigo do país. Lá em cima, em terras de fortes raízes tradicionais e convicções religiosas. Os dias ali são mais frios no Inverno.
Por essa altura, a aldeia transforma-se para acolher a romaria dos festivaleiros.

A cabeça lançada ao céu. Jogada para trás na impertinência juvenil trocista.
A sedução pueril.
Os campos verdejantes.
Os cabelos. Em tranças, presos em rabo-de-cavalo, soltos ao vento ou naufragados pelo aconchego de um lenço florido.
As sandálias. Enfiadas nos dedos dos pés.
As unhas pintadas de vermelho.
E uma pulseira de prata no tornozelo.
O movimento pisava a superfície da estrada de areia. O pó.
Começava a levantar uma nuvem.
Os rumores.
Os olhares percorriam o horizonte e esbarravam uns nos outros. Tropeçavam encantados.
Riam alto.
Romarias…”

Trilogia Rock, de Claúdia Galhós: Sensualistas (2001), Conto de Verão (2002) e O Tempo das Cerejas (2007), Lisboa: Oficina do Livro

http://tempocerejas.blogspot.com

2 comentários:

Margarida disse...

Muito benvinda à blogoesfera amiga! Só hoje tive tempo para dar uma espreitadela... Gostei muito, é a tua cara. vai ser paragem obrigatória para mim.
Beijinhos

Anónimo disse...

amei... gina