quarta-feira, 3 de junho de 2009

100 vezes Minhokinha para o Arménio

São muitas emoções que saltitam nas artérias da Minhokinha. É um sorriso escancarado permanente e o peito cheio quase a explodir. Vontade de gritar "Bravo Arménio, Bravo!!!" e ser ouvida em todas as ruas do mundo!

O centésimo post da Minhokinha é totalmente dedicado ao poeta Arménio Vieira pelo génio, pela força literária, pela garra crítica destemida, pela presença que inspira, pelas conversas roubadas, pelo seu meio-sorriso e aura misteriosa. Um Brinde ao Conde vencedor do Prémio Camões 2009! 

Deixo aqui, em jeito de homenagem, uma das brincadeiras que mais prazer me deu no último ano, Arménio-personagem da minha Maria Ramantxada:

Assim que entrou no recinto-anfitrião da Feira do Livro de Lisboa, Pires-Laranjeira, o aclamado crítico de literatura africana, veio estender-lhe a mão, dar-lhe os parabéns por semelhante lufada de ar fresco na escrita cabo-verdiana, quem diria que por detrás do poeta se escondia um impressionante homem do crime, semelhante era a minúcia com que descrevia os homicídios desse terrível Jack the Ripper de Santo Antão. Arménio balbuciou algo indistinto e foi imediatamente ao bolso buscar um cigarro. Insistia em manter a sua pose arrogante e elitista, aparentemente não se deixava deslumbrar por nada nem por ninguém, quando avistou António Lobo Antunes, do outro lado de um enorme corredor de livros da Caminho, ambos se contraíram e lançaram aquele olhar fechado e provocador de cowboys no Far West: pernas entreabertas em U, mãos pousadas no coldre prontas a sacar a arma, assobiozinho western a lembrar o mestre Clint Eastwood ao longe, o bom-o-mau-e-o-vilão!
Sentado na mesa de honra, de frente para um público curioso e ansioso, Arménio começou a sentir-se inquieto. Não tinha nada com que ocupar as mãos, uma espécie de suor frio descia-lhe pelo cabelo oleoso, tentava concentrar-se em não abanar a perna enquanto ouvia Joana a tentar uma interpretação plausível do horror descrito na sua obra. A rapariga apoiava-se em expressões como intensidade dramática, metalinguagem literária, imagética do locus horrendus, algumas ressonâncias de Frankestein de Mary Shelley, metáforas da fragilidade humana perante a pata opressora e pesada do desenvolvimento incontido, desmesurado e atroz, sanidade versus loucura e a mente de Arménio fugiu-lhe e soltou-se… já não via nada à sua frente, apenas o terror nos olhos dela quando percebeu que ia morrer, sentia os seus braços a apertá-lo no desespero de o tentar deter e ao mesmo tempo de o levar a penetrá-la, mais de trinta anos de puro desejo reprimido, disfarçado, adiado e, naquela noite, a ilusão de que a espera havia chegado ao fim. Gargalhadas que o despertam, o auditório sorridente e expectante aguardando as declarações do notável escritor. Abre a boca e não lhe sai um som, sorri para disfarçar, Joana-bombeira diz que deve ser da emoção e continua o seu solilóquio. Não fazia ideia que um ser humano podia conter tanto sangue nas veias, sangue vivo e feroz que esguichava por todo o lado. Quis acabar com ela, acabar com aquela vontade de a querer todos os dias, de fingir que não sentia o seu desprezo. Quis matar o seu amor por já não aguentar mais amá-la assim. Quis extinguir a única pessoa que sabia que ele era capaz de procriar, que tinha um filho e que a obrigara a dá-lo ao mundo. Não queria mais cúmplices para a sua egocêntrica monstruosidade que o fizera abdicar do fruto daquele amor apaixonado e doentio e permitira que aquele pobre rapaz fosse abandonado, saltando de lar em lar, procurando respostas e, nada conseguindo, escondendo a sua dor debaixo da tinta berrante com que pinta o cabelo todas as semanas. Uma ligeira cotovelada… hã? Inspiração para a criação daquele serial killer que aterrorizava o Paúl? Arménio cora ligeiramente. O homicídio de Maria Ramantxada já tinha sido há sete ou oito anos. Nos livros, sorri, nas minhas intensas leituras e no cinema, claro. Já alguma vez lhe disse que quando era miúdo, lá na Ponta Belém, eu e os meus amigos fazíamos colecção de pedacinhos de negativos de filmes? Joana confessa que não fazia ideia que ele fosse um admirador da Sétima Arte e que nunca lera nada a esse respeito. Pois é, menina Joana, pois é, sorri Arménio maldosamente perante um público ignorante, sabe que os críticos acreditam saberem tudo sobre os escritores quando em verdade não sabem nada. E remata, piscando o olho: eu, por exemplo, sou uma caixinha de surpresas!

4 comentários:

Anónimo disse...

Olá Minhokinha, sempre em cima dos acontecimentos !!!
Parabêns pelo teu gesto a esse tão grande poeta. É o mínimo que lhe podes fazer. Parabêns ao Arménio pela sua belissima obra e pela sua humildade intelectual.
Gostei-;)

Bjs

Por: Catarina Abreu disse...

Hoje de manhã quando entrei na Internet, fui dar uma volta aos sites e blogosfera para ver o que se diz por aí do prémio camões 2009... um dos primeiros que visitei foi a minhokinha, por saber da admiração que sente por Arménio Vieira.

partilho contigo este sentimento. estou mesmo feliz que tenha sido ele, o arménio do café sofia, a ganhar o prémio. primeiro porque o merece, segundo porque nao foi um dos presunçosos da praça a vencê-lo...

agora é preparar os ouvidos para o coro de louvores que nao se lembraram antes do Conde.faz parte...

Catarina disse...

Só veio provar a tua sensibilidade e como és uma visionária: parabéns a ambos!

GreenHouseSpecial disse...

acredita... parabéns a ambos!