segunda-feira, 20 de abril de 2009

Pablo Picasso & o misterioso roubo da Mona Lisa


Paris, 1911: algures entre o entardecer de 20 de Agosto e a manhã de 22, a mais famosa pintura de Leonardo da Vinci desaparece do Museu Louvre. Rapidamente a notícia se espalha e a polícia acaba por encontrar a moldura vazia atrás dum radiador no mesmo museu. Louis Lépine, chefe da polícia encarregue do caso, procura manter o público e o poder político calmos e confiantes na sua investigação. Passam 48 horas e nenhuma exigência é feita, a hipótese de chantagem começa a desvanecer. No dia 29 o museu reabre as portas e um anónimo leva ao Paris-Journal uma estatueta furtada por ele do famoso museu. Notícia de primeira página identifica o ladrão como um jovem entre os 20 e os 25 anos, de boas maneiras e um certo American chic, cujo comportamento denuncia um bom coração mas uma total falta de escrúpulos. Em troca de 250 Francos, o dito jovem vende a estátua roubada ao jornal e confessa ter-se apercebido, desde 1907, que não seria difícil roubar pequenas estatuetas do museu. Tinha inclusivé furtado uma representativa de uma cabeça de mulher que teria mais tarde vendido a um pintor francês por 50Fr. Novo rendez-vous entre o Paris-Journal e o ladrão dá conta de que o mesmo se apresenta como Barão Ignace d'Ormesan. Lépine acredita que uma rede internacional de ladrões de obras de arte é responsável pelo Affaire des Statuettes e pelo Affaire de la Joconde.
Entre 1905 e 1911 a génese da história da Arte Moderna estava a ser escrita, Pablo Picasso era o seu génio e Guillaume Apollinaire o seu empresário. Dois espíritos excêntricos dispostos a chocar que se movimentavam pela urbe cultural parisiense, desprezando o chic de Paris e preferindo os ambientes mais decadentes da Montmartre dos mendigos e artistas sem tostão, com vista privilegiada para os vícios de Moulin Rouge. O poeta e o pintor eram os líderes do grupo conhecido por la bande de Picasso, famoso do Sacre Coeur a Manhattan. Entretanto, duas semanas após o desaparecimento da Mona Lisa, Lépine convence-se de que a audácia necessária para roubar o quadro mais famoso do mundo só poderia vir da parte do grupo que apregoava a morte dos símbolos do passado, gritava o surgimento de uma nova Arte e indicava um caminho Outro.
Quando Picasso desce do combóio regressado de Céret, nos Pirinéus franceses, onde se tinha recolhido com alguns amigos, incluindo Braque, a cozinhar o Cubismo, um frenético Apollinaire aguarda-o na estação. A polícia já tinha vasculhado o seu apartamento, o do pintor seria o seguinte. Pânico! De facto, algumas das estatuetas furtadas do Louvre repousavam confortavelmente escondidas num armário de Picasso, o tal pintor a quem o Barão Ignace d'Ormesan as jura ter vendido. Mas este pormenor não é do conhecimento do Senhor Lépine. A tensão aumenta. Picasso e Apollinaire rabiscam um plano perigoso para sairem do país. Desistem. Concordam em desfazer-se da mercadoria roubada e assim, à meia-noite de 5 de Setembro, um pequeno e soturno Picasso e um robusto e espirituoso Apollinaire caminham na margem do Sena transportando uma arca pesadíssima a quatro desajeitadas mãos. Não chegam a atirar a dita ao rio por falta de coragem e voltam para as suas casas. Na manhã seguinte, Picasso leva as provas do roubo ao Paris-Journal. Na noite de 7 de Setembro Apollinaire é preso e dezanove dias depois do roubo da Mona Lisa, a polícia francesa visita a Boulevard de Clichy, onde se situa o apartamento do pintor. Picasso gostava de dormir até ao meio dia mas naquela manhã é acordado por persistentes batidas na sua porta às 7 horas da manhã. Quando a amante, Fernande Olivier, abre a porta envolvida em trajes íntimos, os homens do chefe Lépine chocam-se com o mundo desordenado que habita o apartamento do pintor virado a Sacre Coeur. Um sem número de obras de arte espalhadas pela sala, telas desordenadas, pincéis acabados, figuras de madeira africanas, um enorme sofá Luís XIV forrado a veludo violeta com botões dourados, tapeçarias penduradas, máscaras primitivas, um sem número de intrumentos musicais e respectivas caixas.... Picasso sempre foi um colecionador compulsivo.
O detective responsável leu o documento que intimava o pintor a comparecer perante o juiz Henri Drioux por suspeito de contrabando de arte roubada do museu Louvre. Picasso empalideceu. Conhecia bem o museu, visitara-o vezes sem conta, contemplara as esculturas primitivas ibéricas e sentira-se profundamente tocado por elas. Conhecia a fama do Barão e a leveza mestre dos seus dedos larápios. No mínimo sabia que as estátuas que tinha em sua posse pertenciam ao museu... no máximo encomendara o roubo das mesmas, aquelas mais perturbadoras que iria usar numa grande tela retratando uma cena de bordel que André Salmon viria a chamar de Les Demoiselles d'Avignon. Se o detective se tivesse dado ao trabalho de entrar em casa do pintor certamente teria descoberto os itens furtados, mas o homem preferiu não ultrapassar a soleira da porta. Picasso retirou-se para vestir-se mas as suas mãos tremiam descontroladamente, a própria Fernande teve de lhe abotoar a camisa.
No tribunal Apollinaire e Picasso cruzam-se como dois estranhos. O pintor parecia ainda mais pequeno dentro do sumptuoso Palais de Justice e o poeta, depois de dois dias prisioneiro, parecia amaldiçoado, sem pinta de sangue ou expressão no rosto, a roupa rasgada. Os dois homens estavam tão nervosos e preocupados em esclarecer a sua inocência que esqueceram de imediato a amizade que os unia. Começaram por se contradizer, a si e ao outro, cada um acusando o outro de levar as estátuas roubadas ao jornal. Ambos choraram desesperados, pediram perdão e liberdade.
Depois de ser tratado como um criminoso durante horas, Apollinaire não resistiu e confessou tudo: a “amizade” com o Barão, a posse dos bens roubados, a assinatura dum manifesto que defendia o incêndio do Louvre, acabando por implicar o Barão e Picasso no roubo das estatuetas ibéricas. Ao ser confrontado pelo juíz Drioux, a pose arrogante de Picasso sumiu e, aterrorizado, afirmou desconhecer todo aquele assunto incómodo. Não sabia que as suas estatuetas eram roubadas e nem sequer conhecia Apollinaire.


No final, Pablo Picasso, que comprara os itens roubados, foi libertado apenas com um aviso para não deixar Paris. Durante semanas viveu furtivamente, permitindo que a paranóia tomasse conta de si, sempre espreitando cada esquina, saindo apenas à noite e exclusivamente de taxi, esperando ser preso a qualquer instante. Mais tarde, Apolinaire viria a declarar que considerava “estranho, incrível, trágico e divertido ao mesmo tempo” que ele tivesse sido a única pessoa em toda a França presa pelo roubo da Mona Lisa.



Tradução livre do artigo “How the world's most famous artist was arrested for stealing the world's most famous painting”, in Culture, revista do The Sunday Times de 12.04.09, extraído de The Lost Mona Lisa: The Extraordinary True Story of the Greatest Art Theft in History, RA Scotti (Bantam Press, April 2009).
Fotografia: img.photobucket.com/.../artes/Picasso-Paris.jpg

5 comentários:

Sams disse...

Picasso was a thief...

Essa do Picasso roubar obras do Da Vinci lembra um pouco o ódio de Salieri ao génio "desimportado" de Mozart.
Muito bem Minhokinha, gostei imenso do texto.
Está escrito que é uma tradução livre mas tu tens o dom e o bichinho da escrita. Parabéns.

Keep it comin'

Catarina disse...

sim... adorei... explica essa da tradução livre... parece uma história saída directamente da tua toquinha...

Minhokinha disse...

Encontrei este artigo no único sítio da Cidade da Praia onde se pode ter acesso a revistas culturais recentes que as grandes metrópoles vão produzindo:O Cape Coffee, no Palmarejo.
A minha tradução não é muito diferente do texto original, mas sim confesso que lhe adicionei aquela pitada de Minhokinha... o que posso dizer? Não resisto!

Catarina disse...

E não é mesmo para resistires... obrigada!

Anónimo disse...

Minhokinha linda, já tinha saudades!!!
Parabêns -;)