Era uma história mais contada do que a di nhu Lobu ku xibinhu, mais repetida do que os contos basofos de engates a meninas de quinze anos, tão secular quanto o achamento das ilhas: a grandiosa desavença entre o poeta e o catedrático há mais de vinte anos que tinha resultado num desafio de espada numa alvorada no Monte Tchota. Só um poderia sobreviver e os dois juram que só não mataram o outro a sangue-frio porque tiveram o azar de se desequilibrarem com um forte terramoto que assolou Santiago nessa manhã. O motivo verdadeiro nunca se soube mas muito se especulou. Hoje cada um conta o mito à sua maneira, enaltecendo a sua própria figura, claro está, e sublinhando a fraqueza física e sobretudo moral do adversário.
- É este o dia em que finalmente vou ter o prazer mais do que adiado de te decapitar, ó professoreco? – ouviu-se um catarro com cheiro a Marlboro mesmo à entrada do café.
- Deixemo-nos desses argumentos dantescos e façamos o obséquio de partilhar a mesma mesa durante uns minutos. Acredito que o assunto que me traz aqui seja do teu interesse e estou num estado tal de revolta que já nem me importo com os microfones escondidos no jardim. Olha, já estou a ver ali um! É sobre a Maria. Urge quebrar este silêncio pelo amor que, irremediavelmente, sempre nos uniu àquela mulher.
Arménio deu mais duas passas impossíveis naquela ponta de cigarro já decadente, vociferou um “oh fofa traz-me um grogue” à empregada do café (não é curioso que se chamem em-pregadas às pessoas que passam o dia precisamente pregadas ao chão?), afastou uma cadeira com estrondo e sentou-se. Santos-Lima admitiu, antes de mais, estar em absoluto estado de choque com a desgraça que se abatera sobre Maria e logo naquele dia, dia de Pessoa, em que ela estava tão feliz! Tinha ânsias de descobrir o autor do crime, não entendia porquê, porquê, e direccionava toda a sua raiva à jor-na-lis-ta-zi-nha-sem-ei-ra-nem-bei-ra que se tinha corrompido ao veneno saboroso do sensacionalismo e, em busca de uma manchete (também o professor era crioulo e, encontrando-se em estado de nervos agudo, deixava soltar por vezes um brasileirismo), não tinha feito na-da-mais-na-da-me-nos do que manchar a reputação da nossa caríssima. E ele, Santos-Lima não poderia permitir tal abuso. Já bastava ter de se conformar com a ausência fatal da amiga querida, já bastava ter de viver…
Tiveram de interromper a conversa ali mesmo. Há situações que nem o mais feroz dos terramotos consegue parar e neste caso, nesta esplanada da Cidade da Praia, é a chegada diária da dona do café. Elisabete estaciona o robusto jeep vermelho na lateral da praça mesmo ao lado do jogo de xadrez… que já não vai a lado nenhum. Há quem aproveite até o pasmo geral para, num passe rápido de mestre, movimentar uma ou outra peça sem ninguém ver. Elisabete sabe que esse é o seu momento. Demora cinco a dez segundos a sair do carro, coloca os grandes óculos de sol Donna Karan no rosto, solta os cabelos longos ondulados, e eleva o pequeno controlo remoto do veículo acima do ombro esquerdo trancando-o e prevenindo-o contra os eventuais assaltos. Quando a máquina solta o pi e acende todas as luzes dos faróis, Elisabete sabe que só tem de percorrer os dez ou quinze metros por entre a esplanada que a vão levar à porta do café. Alta, magra, elegante, soberba de Itália, ninguém diria que já é avó. Abre um sorriso aos velhotes do xadrez, acena-lhes um bom dia que os faz sonhar com boas noites e vai sambando lenta no alto das suas sandálias Louis Vuitton enquanto carrega o saco de uma qualquer marca internacional, que agora não me ocorre qual, onde, por certo, depositará os seus pertences de inquestionável mulher de negócios variados. Vai lenta e soberba, em estilo de Princesa Diana a atravessar a multidão de fãs, e ocasionalmente até atira beijos às amigas ou conhecidos que vê sentados nas suas mesas. Gosta de manter a pose, aquele ar de deusa acidental que nada faz para tal e sorri, sorri muito em redor. Sabe que deixa os homens descontrolados e as mulheres com olhos em bico. Quando pressente um olhar mais atrevido solta uma gargalhada sonora e volta a mandar os fios de cabelo para trás dos ombros. Entra no café, a vida volta à normalidade para todos. E assim Arménio e Santos-Lima podem, finalmente, continuar a conversa.
6 comentários:
Comecei a ler empolgado com a volta dos Santos Lima e esperava ansioso a discussão com o Arménio.
Entretanto, devo confessar que até eu me distrai com a chegada da dona do café... Bola 7, Elisabete
Cheguei até a ouvi-la cantarolar Chico Buarque. "... me sinto pisando, num chão de esmeraldas"
O recadinho às moças também foi hilário. Impregnadas é o termo.
Mucho bom
Fica aguardando o duelo dos enxadrezistas (cenas do próximo capitulo)
Keep going
Mantenhas
Olá Minhokinha parabêns por mais um capitulo da Maria Ramanhxada -;) Adorei a "Elisabete", está perfeito !!!
Beijos
-;)
tb gostei mt, d+ até.
bali ;)
Com que então até o Samori ficou atordoado com a chegada da bola 7 Elisabete? Ficaste sem fala? Só a salivar? É o efeito da verdadeira dona de café! Ainda bem que gostaste. O debate quente entre o poeta e o professor já está quase a sair... :)
Isabel aka mãe-mais-linda-do-mundo-e-arredores e Tide, muito obrigada pelo incentivo non stop!
beijos a todos,
Minhoka**
Pois é Anita, a Maria Ramantxada vai dar a volta à Praia...e aos seus cromos....heheheh.
Muito bom, continua!
Um beijo de Lisboa
Catarina Cardoso
ana,
d+..
djam kai di 4 ta ri ku es elisabete..
bu fazen odja em camara lenta cada muvimentu di madame elisabete na se dia a dia e nten ki trau txapeu mas un ves..
adooorei :)
kre +
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