quarta-feira, 14 de julho de 2010


Aquele cheiro era igual ao do meu avô. Cheiro de blazer de fazenda antiga misturado com cigarros, um cheiro amarelado, macerado, das pontas dos dedos.

É um cheiro que quase não o chega a ser. É o cheiro da total ausência de uma gota de perfume, de um aroma, ausência de qualquer nuance contemporânea naquele corpo estranhamente tão jovem.

Deixei-me senti-lo, inspirei-o com a memória. E a sorrir daquele sorriso encabulado como quem coça a cabeça, meti a mudança e lentamente carreguei no acelerador.

Foto: larbatxia

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Are you on crack? No, I'm on EDge



Ontem, na Casa das Artes, em Vila Nova de Famalicão, apresentou-se a Companhia de Dança da London Contemporary Dance School. São os novos e promissores talentos da dança europeia que trouxeram o aqui e o agora da velha capital. Flamejantes nos movimentos, ousados na abordagem do ritmo londrino, deram conta dos mais variados tipos sociais que fazem de Londres o mais interessante fenómeno de melting pot da sociedade europeia da actualidade : o flanêur, o executivo, o estudante, a emigrante, o sonhador, a dona de casa, o artista... estavam todos lá, na ponta dos pés das bailarinas, no contorcer harmonioso dos corpos, na luz e na sombra, na melodia...

"Every day I try so hard to know your mind and find out what's inside you. Time goes on and I don't know just where you are or how I'm going to find you. You can do whatever you please. The world's waiting to be seized. You can collect all the neglect or all the self-respect you need. And I know... and I know... and I know... We live but once but good things can be found around in spite of all the sorrow. If you see black you can't look back, you can't look front, you cannot face tomorrow. Some have it nice, fat and round, flash, paradise. They're very wise to their disguise, trying to revolutionize tomorrow. And I know... and I know... and I know... Your mind's guaranteed. It's all you'll ever need. So what do you want with me?" (Decomposition 1, EDge)

Mais informações em theplace

Fotos: Minhokinha

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Velvet Vila





Esta é para a Gisela, num brinde de taça à nossa Vila.

A Vila é uma mulher madura, redonda nos seus pudores. Tem anca larga, um avental branco e sempre um tabuleiro de doces quentes acabados de sair do forno que é como que um prolongamento dos seus braços.
A Vila não se entrega a estranhos na primeira conversa, é recatada, prevenida, enfeita o seu brio numa longa trança que enrola na nuca e prende com um travessão.
A Vila é doce, tem aquele cheiro de maresia misturado com os velhos e nobres tempos. A juventude de hoje, eclética e barulhenta, toma-a de assalto sem pedir licença, mas a Vila não se incomoda, alarga ainda mais o seu sorriso de avó e a todos acarinha com tabuleiros de doces cada vez maiores e mais deliciosos.
Quem vem à Vila quer sempre voltar, porque aqui o sonho passeia-se connosco nas pedras das calçadas, baila nas luzes dos lampiões, mergulha nas ondas revoltadas deste mar e sai com cheiro a sargaço.
A Vila não é minha mas eu adoptei-a. Chego com um sorriso, aceito sentar-me na cadeira que sempre me oferece e por ali me fico. Tão bem, tão natural como se estivesse em casa.

Fotos: Vila do Conde, 7.07.2010, by Minhokinha