terça-feira, 6 de abril de 2010

Verdes anos

Tenho saudades do tempo que guardo na memória dos anos 80, de quando brincávamos nas tardes que pareciam dias e nas ruas que nos pareciam nossas.
Tenho saudades de explorar matas, arranhar-me nos espinhos, de construir cabanas em locais secretos cujas entradas deveriam ser disfarçadas com ramos.
Tenho saudades do vento a bater na minha saia de roda, na ferida ainda assanhada do meu joelho esmurrado contra o cimento, no cabelo que serpenteava sempre à minha revelia. Tenho saudades do Calipo de limão.
Tenho saudades de acreditar em almas gémeas, de ouvir o Variações na televisão e de ver fotografias antigas com um halo amarelado onde todos sorriam com a mesma inocência envergonhada da virgem noiva que se apresenta nua ao marido pela primeira vez.
Tenho saudades de me perder nas espigas de milho alto, de comer gemadas com canela e de colher uvas americanas da ramada da minha avó.
Tenho saudades de ouvir os sinos momentos antes de acordar na manhã do domingo de Páscoa. Vem aí o compasso. Tlim tlim, tlim tlim. Vem aí o compasso, arranjem-se depressa!
O frenesim da visita pascal, as flores que se estendem em tapete nas portas das casas das aldeias do norte de Portugal.
Tlim tlim.
Tlim tlim.
Vem aí?
Já vem aí?
Tlim tlim. Tlim tlim.
Avista-se o menino compenetrado no seu sininho lá ao fundo, seguido pelo reverendo que vem benzer a nossa casa.
A família entra e naquele momento, apenas naquele momento em que se dispõe pela sala recebendo o padre e que todos sabem que é único, respira em uníssono: Cristo ressuscitou! Aleluia! Aleluia!