domingo, 21 de junho de 2009

minhokinha

No dia 11 de Março de 2008 criei a minhokinha. Digo criei porque nunca a vi como um prolongamento de mim, embora tenha sido sempre através de mim que ela existiu.
minhokinha é bem mais arrojada do que eu, não tem vergonha de se mostrar, gosta de escrever, de provocar, de passear pela blogosfera e de partilhar. Nunca foi um ser real nem nunca teve aspirações de o ser. Amava uma quase clandestinidade que fazia questão de cultivar. Os nomes reais maiusculados aqui nunca faziam sentido porque este mundo era quase como o da alice no país das maravilhas. Pelo menos para mim que o criei.

Um certo jornal resolveu associar o indissociável e assim a minhokinha deixou de existir, passou a pertencer à realidade nossa que a lemos. Nunca quis que isto acontecesse, lutei sempre para que não nos confundissem, minhokinha não é Ana Araújo.
Violado este direito tão meu, invadida e rasgada a essência de ser minhoka, questiono se quero continuar, aliás, a pergunta que me persegue é: minhokinha ainda existe?

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Dever Cívico

Vamos deixar de calar, ver, sorrir e fazer de conta que não é connosco. Não sejamos coniventes com o abuso declarado, vamos agir! Imploro-vos: vamos agir! Só quando o desespero irrompe pela nossa casa, nos vira tudo do avesso, nos tira aquilo que nos faz ser nós e enfim nos transforma noutra pessoa, só quando chegarmos a esse ponto é que vamos fazer alguma coisa? É assim que funciona a vida em comunidade? A amizade? Não deixemos o circo alheio pegar fogo, não sejamos espectadores impotentes e inúteis, levantemo-nos, caramba! Levantemo-nos!

Se um furacão viesse em força na minha direcção, eu gostava que me avisassem porra!

Elas não querem que diga
eles não querem que fale
que avise
alerte
e insista
que há um perigo na Praia.

Não é assalto, mas faz vítimas.
Não é lixo, mas faz sujeira.
Não é bicho, mas é besta!

quinta-feira, 11 de junho de 2009

One Love


A Sara trouxe a luz, o flow, o sorriso doce e a good vibe! Trouxe a música, a lira, o encanto, a batida. Graça de ser de todos e transpirar Mundo! Obrigada pela libertação, foi muito bom!

I know you can understand me 
Maybe juntos together, forever happy 
You know I love you, I love you, I love you, I really love you, I love you
You know I need you, I can't live without you, não há ninguém como tu
Ca tem ninguem cima bo  
Um só povo Um só coração One love

Foto: Pedro Moita, in cronicasdaovelhanegra.blogspot.com

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Dia de Portugal, dia de Camões



Ao Desconcerto do Mundo

Os bons vi sempre passar
No Mundo graves tormentos;
E pera mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado.
Assim que, só pera mim,
Anda o Mundo concertado.

Luís de Camões

"Hipócritas de Merda", Tchalé Figueira


As palavras de Tchalé Figueira, ontem no Café Margoso, traduzem sem tirar nem pôr o verdadeiro espectáculo de protagonismo com que o Ministério da Cultura nos brindou ao final da tarde na pracinha do Café Sofia. Impunha-se uma homenagem a Arménio Vieira sim, da mesma forma que se impunha um pedido de desculpas público pelo desprezo que o mesmo ministério tem votado, pelo menos nos últimos anos, à obra premiada. Até à semana passada encontrar "O Eleito do Sol" na Cidade da Praia era quase como perscrutar uma agulha num vasto palheiro. Eleito de quem? inquiriam admiradas as senhoras responsáveis pelas livrarias do Plateau, ai do Arménio Vieira, não não conheço. Um ka ten displicente que só a perseverança do leitor podia reverter.
Se bem me lembro, o poeta ontem homenageado nunca foi devidamente apoiado no seu país. Há mais de um ano eu questionava neste espaço por que não lemos Arménio Vieira? A que se deve a total ignorância dos nossos alunos... Arménio quem? Não, só conheço Baltasar Lopes e Germano Almeida. Se o Ministério da Cultura e o da Educação tivessem dado as mãos após a publicação de "No Inferno", em 1999 e posterior a "O Eleito do Sol", hoje não teriam de passar pela vergonha da apatia académica quase generalizada e a homenagem de ontem teria sido, de facto, uma homenagem de todos. Assim, o que vimos ao anoitecer foi uma encenação (humoristicamente brilhante, diga-se) da apresentadora de serviço (hilariante!!!), do Senhor Ministro da Cultura, que fez questão de ler um texto crítico da sua autoria sobre a obra do poeta e escrito, como fez questão de enfatizar, há dez anos (porque Eu sou visionário), das autoridades e corpo diplomático que não se sabe se alguma vez porventura se deram ao trabalho (e ao prazer) de ler Arménio e de outras personalidades que, embora ignorem o génio quotidiana e recorrentemente, ontem até sorriram para a fotografia de braços dados e ar de muita intimidade.

No meio deste circo, o Conde todos observava aparentemente quieto. Os seus olhos não paravam, de um lado para o outro em zig-zag, a sua mente por certo laborava e, diz lá a verdade Arménio, foi um gozo para a tua veia satírica, não?

Foto: sapo.cv

sábado, 6 de junho de 2009

A Arte é uma Deusa Tântrica


Ontem ao final da tarde mais um momento especial na Biblioteca Nacional da Cidade da Praia: a apresentação do novo livro do poeta Filinto Elísio com o surpreendente título "Li cores & Ad vinhos", uma edição de luxo das Letras Várias.

Por volta das 19 horas, a mesa que se apresentou diante duma plateia expectante era respeitosa. Ao centro o poeta, grave e concentrado como convém a alguém que respira quase exclusivamente o lado lírico (e onírico?) da vida, ladeado pelo artista plástico Mito, que assume o vibrante aspecto gráfico da obra, e por João Branco, apresentador do livro . Ainda Abrãao Vicente, a quem coube (outra) apresentação, o editor português e a directora da Biblioteca.

Quando enfim chegou o momento de falar, Filinto Elísio encarou-nos de frente e em suspenso declarou "A Arte é uma deusa tântrica de múltiplas mãos". Imediatamente pensei na pequenez do poeta mas ao reparar melhor constatei que o brilho no olhar do "indomável sangrador de bestas" não era receoso ou tímido. Apercebi-me então que estava diante dum guerreiro que luta orgulhosamente com esta deusa e não está a perder o combate, antes a gozá-lo. 

Entrar no seu mundo é, portanto, imprescindível, percorrê-lo um doce prazer vintage.. entre outros.

Have you met Miss Jones?

dos versos, como dos vates, nos alpes,
tal qual à neve, apaixonada tu das névoas,
das paisagens baças, que das metáforas,
direi, sopro dos pubs, mesmo que proves,
brisas dos beirais, choupos e janeiras,
este amor de vida toda, o mirar o Tibre,
o sol atreito de uma tarde que parte
o alarde pretérito das horas impúdicas,
e tu, ouvindo blues, sejas noite infinda,
fria...

                              Filinto Elísio



quarta-feira, 3 de junho de 2009

The day after @ Café Sofia


É reconfortante, emocionante e memorável assisitir à chegada do poeta vencedor do Prémio Camões 2009 ao sítio de sempre: Café Sofia, na Cidade da Praia.
Todos os seus amigos do xadrez e das tardes de conversa se levantam para o congratular, Arménio visivelmente orgulhoso, sorridente, honesto. Camisa branca, toda a luz que normalmente tenta esconder hoje irradia só para ele. O Mito persegue-o com uma objectiva, o Conde sorri, fala ao telemóvel, questiona se terá que usar um fato em Lisboa, agradece a todos que o olham com (ainda mais) admiração, já se pedem bebidas para pôr "na conta do Arménio"... 

Não cheguei a fazê-lo por falta de coragem, mas ainda lhe vou arrancar aquele abraço!

Fotografia de Omar Camilo em fotoskamilo.blogspot.com

100 vezes Minhokinha para o Arménio

São muitas emoções que saltitam nas artérias da Minhokinha. É um sorriso escancarado permanente e o peito cheio quase a explodir. Vontade de gritar "Bravo Arménio, Bravo!!!" e ser ouvida em todas as ruas do mundo!

O centésimo post da Minhokinha é totalmente dedicado ao poeta Arménio Vieira pelo génio, pela força literária, pela garra crítica destemida, pela presença que inspira, pelas conversas roubadas, pelo seu meio-sorriso e aura misteriosa. Um Brinde ao Conde vencedor do Prémio Camões 2009! 

Deixo aqui, em jeito de homenagem, uma das brincadeiras que mais prazer me deu no último ano, Arménio-personagem da minha Maria Ramantxada:

Assim que entrou no recinto-anfitrião da Feira do Livro de Lisboa, Pires-Laranjeira, o aclamado crítico de literatura africana, veio estender-lhe a mão, dar-lhe os parabéns por semelhante lufada de ar fresco na escrita cabo-verdiana, quem diria que por detrás do poeta se escondia um impressionante homem do crime, semelhante era a minúcia com que descrevia os homicídios desse terrível Jack the Ripper de Santo Antão. Arménio balbuciou algo indistinto e foi imediatamente ao bolso buscar um cigarro. Insistia em manter a sua pose arrogante e elitista, aparentemente não se deixava deslumbrar por nada nem por ninguém, quando avistou António Lobo Antunes, do outro lado de um enorme corredor de livros da Caminho, ambos se contraíram e lançaram aquele olhar fechado e provocador de cowboys no Far West: pernas entreabertas em U, mãos pousadas no coldre prontas a sacar a arma, assobiozinho western a lembrar o mestre Clint Eastwood ao longe, o bom-o-mau-e-o-vilão!
Sentado na mesa de honra, de frente para um público curioso e ansioso, Arménio começou a sentir-se inquieto. Não tinha nada com que ocupar as mãos, uma espécie de suor frio descia-lhe pelo cabelo oleoso, tentava concentrar-se em não abanar a perna enquanto ouvia Joana a tentar uma interpretação plausível do horror descrito na sua obra. A rapariga apoiava-se em expressões como intensidade dramática, metalinguagem literária, imagética do locus horrendus, algumas ressonâncias de Frankestein de Mary Shelley, metáforas da fragilidade humana perante a pata opressora e pesada do desenvolvimento incontido, desmesurado e atroz, sanidade versus loucura e a mente de Arménio fugiu-lhe e soltou-se… já não via nada à sua frente, apenas o terror nos olhos dela quando percebeu que ia morrer, sentia os seus braços a apertá-lo no desespero de o tentar deter e ao mesmo tempo de o levar a penetrá-la, mais de trinta anos de puro desejo reprimido, disfarçado, adiado e, naquela noite, a ilusão de que a espera havia chegado ao fim. Gargalhadas que o despertam, o auditório sorridente e expectante aguardando as declarações do notável escritor. Abre a boca e não lhe sai um som, sorri para disfarçar, Joana-bombeira diz que deve ser da emoção e continua o seu solilóquio. Não fazia ideia que um ser humano podia conter tanto sangue nas veias, sangue vivo e feroz que esguichava por todo o lado. Quis acabar com ela, acabar com aquela vontade de a querer todos os dias, de fingir que não sentia o seu desprezo. Quis matar o seu amor por já não aguentar mais amá-la assim. Quis extinguir a única pessoa que sabia que ele era capaz de procriar, que tinha um filho e que a obrigara a dá-lo ao mundo. Não queria mais cúmplices para a sua egocêntrica monstruosidade que o fizera abdicar do fruto daquele amor apaixonado e doentio e permitira que aquele pobre rapaz fosse abandonado, saltando de lar em lar, procurando respostas e, nada conseguindo, escondendo a sua dor debaixo da tinta berrante com que pinta o cabelo todas as semanas. Uma ligeira cotovelada… hã? Inspiração para a criação daquele serial killer que aterrorizava o Paúl? Arménio cora ligeiramente. O homicídio de Maria Ramantxada já tinha sido há sete ou oito anos. Nos livros, sorri, nas minhas intensas leituras e no cinema, claro. Já alguma vez lhe disse que quando era miúdo, lá na Ponta Belém, eu e os meus amigos fazíamos colecção de pedacinhos de negativos de filmes? Joana confessa que não fazia ideia que ele fosse um admirador da Sétima Arte e que nunca lera nada a esse respeito. Pois é, menina Joana, pois é, sorri Arménio maldosamente perante um público ignorante, sabe que os críticos acreditam saberem tudo sobre os escritores quando em verdade não sabem nada. E remata, piscando o olho: eu, por exemplo, sou uma caixinha de surpresas!