segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Ouve lá...

(a ti que espreitas sorrateiramente a toca da Minhokinha)

tu sabes que o papel da literatura não se esgota em criar historinhas de encantar.
Tu sabes que a literatura não é apenas um somatório de palavras.
Tu, pelo contrário, sabes bem distinguir o autor do narrador, o ortónimo do pseudónimo. O intencional do factual. E já escreveste muito, já leste mais ainda... mas se tanto sabes, por que insistes em persistir na ignorância?
Eça foi um criador magistral? Então deves recordar-te da sua máxima, da vontade em querer fazer das suas palavras um motivo sério de reflexão, da sua insistência em apontar o dedo ao que considerava estar mal... fazia-o a brincar, usando a fina ironia como arma de arremesso.
A função do Neo-Realismo português no contexto da censura foi determinante e tu sabes que as palavras de Soeiro Pereira Gomes, Namora, Dionísio e Cardoso Pires (só para citar alguns), mais do que criar sonhos apresentavam a realidade. Nua e crua. Doa a quem doer.

Então, sabendo tudo isto e apoiando e aplaudindo e enfatizando que a literatura tem uma função social e exorcizante... chocas-te com as palavras da Minhoka quando elas voam desgarradas em sincero e necessário protesto. E viras a cara e fechas a porta.
Para quem proclama entre dois versos que sabe muito de literatura, para quem não se cansa de dissertar sobre o seu self-knowledge da vida, para quem já viveu tantos anos no centro de um opulento mundo, para ti que julgas tudo controlar: que pobre que és, que provincianismo que transpiras.
Pois fecha a porta e do mofo não voltes a sair. Já não gosto de ti.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Este cheiro não é meu!

Ao João, por heroicamente ter suportado um cheiro que não era o dele

Dona Ricardina, mulher robusta e decotada, não era pessoa para aguentar ofensas calada e nem sequer com um sorriso amarelo. Quando confrontada com alguma animosidade, de imediato levava a mão direita à cintura, colocando a palma para fora em jeito de peixeira, arqueava as sobrancelhas qual Poirot desconfiado, abria bem os olhos sem pestanejar, levando o joelho à frente a compor o figurino e disparava incisiva e com voz de bagaço : “Escuta aqui, se você tem alguma coisa a falar pode falar logo enquanto estou bem aqui na sua frente!” Contrariá-la era uma tarefa habilidosa e só acessível a muito poucos humanos ainda vivos. O próprio Fonseca, seu marido enfezado, curvado e amarelo de cigarro tentava impor-se há mais de vinte anos sem qualquer resultado efectivo. Só houve uma vez, há muito tempo, logo depois da lua-de-mel num vilarejo qualquer para os lados de Belém do Pará, que Fonseca tentou dar o seu másculo grito de Ipiranga, ameaçando deixá-la grávida e só, por não mais poder aturar as suas mesquinhices neuróticas. Quis o destino que o seu grito não passasse dum rouco, mudo e débil miau imediatamente abafado pela verdade universal e colossal bradada daquele peito forte: “Você é que sabe! Homens é o que não falta e eu ainda sou um bom pedaço de mulher!” Com isto Fonseca sucumbiu. Tinha já um grande amor àquele feijãozinho que a esposa carregava no ventre e que também era seu. Então deixou-se estar. E foi ficando, aguentando, teimando e relevando mais de vinte anos de pequenas rotineiras infelicidades, vontades diárias de mandar àquela parte e um desamor que se erguia entre eles sumptuosamente.
Dona Ricardina tinha habituado o Fonseca que lá em casa quem usava o cinto era ela. E não admitia discussão. Fonseca, por sua vez, tinha habituado a esposa à clausura solitária no seu escritório, como gostava de chamar ao quartinho dos fundos que ela lhe tinha concedido onde passava os dias sentado a uma mesa a ler jornais ou romances policiais, fazer palavras cruzadas e, mais recentemente, escrever as suas Memoirs. Há uns três anos conseguira comprar um computador com o dinheiro que juntara do subsídio de invalidez que recebia descaradamente há mais de dez. Não era inválido, nem nada que se parecesse, mas um médico amigo dos tempos de tropa ajudara-o com os papéis que atestavam uma “deficiência crónica, genética e congénita no joelho” que o impossibilitava, de todo, movimentar-se normalmente. Por vezes até fingia que coxeava e tudo para conferir mais verosimilhança à sua invalidez. Para Dona Ricardina era “o aleijado” e nada mais. Com o computador, Fonseca rapidamente descobrira a Internet e a magnífica oferta de vidas e sonhos paralelos aos seus mas que bem poderiam ser, em realidade, os dele, Fonseca, que também era filho de Nosso-Senhor-Jesus-Cristo e merecia um ou dois sorrisos diários. As poucas horas que costumava passar fechado no escritório transformaram-se numa verdadeira obsessão, já só saía para comer, aguentava o xixi horas e horas e quase não dormia. Dona Ricardina a princípio não ligava. O que ela queria era que o aleijado não a incomodasse para ela poder passar a tarde à janela a namorar, com toda a sua subtileza feminina, os homens charmosos que passavam. Com o dinheiro da sua magra reforma, a senhora explorava a criada e engordava o seu guarda-roupa. Poucas coisas lhe davam tanto prazer como comprar tecidos, sonhar com os modelos que via nas revistas e levá-los à costureira, onde voltava uma semana depois para provar e, se nenhum alfinete a picasse, até esperava que Dona Marilene cosesse tudo para levar para casa de imediato. No dia seguinte estreava-se à janela.

sábado, 10 de janeiro de 2009

Bom Ano & Felicidades


Ontem uma menina de dois anos, pelo meio da sua franja rebelde, desejou-me “bom ano e felicidades”. Fiquei a pensar... numa altura em que oferecemos presentes e fazemos votos de saúde, amor e paz nunca deixamos de lado a(s) felicidade(s). E em que consiste, afinal, ser feliz? Teremos noção se já o somos ou se ainda falta um bocadinho?
É nestas considerações que a minha atenção recai sobre um artigo assinado por Carla Ramos para a revista Happy (nem de propósito!), edição de Julho do ano que agora demos por concluído. Título: How to be happy? - Tudo o que sabem as pessoas felizes. Lead: A Psicologia Positiva centra-se na análise das pessoas felizes. Quem são, o que têm em comum? Quais os seus comportamentos? O que sabem? Mais à frente a autora explica-nos que Martin Seligman, Dan Baker e Tal Ben-Shahar partilham esta nova abordagem na área da Psicologia: a Psicologia Positiva. Fundamentalmente, o que a distingue da convencional que todos conhecemos (ou julgamos conhecer) é o facto de transferir a ênfase para o que temos de bom, identificando os pontos fortes de cada indivíduo e utilizando-os como base de trabalho, ao invés de apontar as fraquezas humanas e tentar remediá-las. Os resultados têm-se revelado bem mais eficazes do que os alcançados até aqui e têm como objectivo simplesmente procurar possibilidades.
Assim, o que distingue as pessoas felizes dos demais? Como as podemos reconhecer na nossa sociedade? Os autores deixam-nos algumas dicas que transcrevo como mote para reflexão no início deste novo ano.

As pessoas felizes…

1. Promovem as emoções positivas
2. Enfrentam o medo
3. Sabem gerir o perfeccionismo
4. Têm um diário
5. Tiram partido do trabalho
6. Estabelecem metas
7. Encontram a sua vocação
8. Passam pouco tempo sozinhas
9. Têm um bom relacionamento
10. São mais espirituais
11. Fogem das más relações
12. Têm dinheiro Q.B.
13. Sabem dizer “Não”
14. Estabelecem uma relação com elas próprias
15. Têm tempo para si
16. São optimistas
17. Sabem perdoar
18. Aprendem a meditar
19. Têm uma vida diversificada
20. Introduzem propulsores da felicidade.

“As pessoas felizes não têm vidas sem problemas. Têm é a capacidade de reagir bem quando os problemas surgem.”, Dan Baker