domingo, 27 de setembro de 2009

Legislativas 2009


É assim na capital de Portugal:

"Olha, não quiseram o meu voto!
Cheguei aqui, disseram-me que o meu cartão é muito antigo e que tenho de ir ali a outra escola.

Não vou nada, que me doem as minhas pernas, vou mas é dormir."

Depoimento de uma senhora idosa mas arisca ao Telejornal da RTP

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Mensagem de Madre Teresa de Calcutá para a Mulher

"Tem sempre presente que a pele se enruga, o cabelo embranquece, os dias convertem-se em anos.
Mas o que é mais importante não muda. A tua força e convicção não têm idade. O teu espírito é como qualquer teia de aranha. Atrás de cada linha de chegada há uma de partida. Atrás de cada conquista vem um novo desafio.
Enquanto estiveres viva sente-te viva. Se sentes saudades do que fazias, volta a fazê-lo. Continua, quando todos esperam que desistas. Não deixes que enferruge o ferro que existe em ti. Faz com que em vez de pena te tenham respeito.
Quando não conseguires correr, trotar, caminha, usa uma bengala.
Mas nunca te detenhas."

Obrigada Rita:)

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O Salto (II)


21 de Fevereiro de 1974


Apenas os faróis daquele táxi iluminavam as ruelas sombrias do Bairro Alto por onde a chuva já se tinha deitado e lânguida ainda escorria. Tomé acendeu um cigarro e olhou as casas cinzentas que, indiferentes e apáticas, se sucediam umas às outras a seu lado. O motorista ligou o auto-rádio e ambos puderam ouvir as notícias sobre os heróis de Portugal que, hercúleos, combatiam em África pela mais nobre defesa das Colónias Portuguesas do Ultramar contra os grupos independentistas africanos. País de merda, sussurrou Tomé entre duas passas nervosas. Enquanto a ponta do cigarro se reacendia, reparou que o taxista olhava atento para ele através do espelho retrovisor. Tinha o rosto redondo com alguns pelos desordenados, olhos praticamente semicerrados, boca descaída para a direita, cabelo ralo e cheiro a aguardente. Tu queres ver que já me saiu um taxista bufo? Era mesmo o que me faltava, pensou Tomé enquanto tentava afastar as vozes e imagens que teimosas bailavam um pas-de-deux terrível na sua mente. A sua mulher com o filho de ambos ao colo pedindo-lhe que não fosse, ele arrumando tudo apressadamente na mochila, olhando em interrogação cada canto da casa tentando antever qual o objecto que melhor o ajudaria a suportar as saudades quando estivesse longe... não podia pensar nisso agora, estava já tudo decidido, o tempo era de acção e não de reflexão. O filho ensonado e assustado esfregava um olho e começava a chorar, Pai, paizinho... Não queria ouvir nada daquilo, não podia. Abriu a porta da rua perante a mulher hirta e incrédula, as lágrimas escorriam-lhe até ao peito desenhando-lhe a pele de fios de orvalho mudo, beijou-lhe os ombros com o último olhar que lhe lançou, abraçou-a toda dentro de si e partiu. Sem olhar para trás.
As notícias radiofónicas deram lugar à música que fez Tomé sorrir e recuperar algum ânimo. “Depois do Adeus”, de Paulo de Carvalho, a melodia que iria vencer o Festival da Canção desse ano. Tomé ainda não sabia, só trauteava baixinho Quis saber quem sou, o que faço aqui, quem me abandonou, de quem me esqueci....
A Estação de Santa Apolónia poucos minutos antes da meia noite assemelhava-se a uma casa de fados da Mouraria ao fechar: uma luz fúnebre de 40w, porta encostada, menos de meia dúzia de pessoas a vaguear pelos cantos, pontas de cigarros esmagadas com fina biqueira de sapato, o cheiro quente que permanece na sala de espectáculos segundos após a cortina se fechar. Tomé avançou até à janelinha de grades destinada ao atendimento público e pediu um bilhete para Vilar Formoso no combóio da meia-noite. Ao entrar na carruagem número 2, que imediatamente arrancou, Tomé viu Carlos sentado numa ponta distraidamente lendo um livro e pressentiu que Gaspar estaria na seguinte. Viajaram pela Linha da Beira Alta na suposta ignorância de quem eram e do que ali faziam. Cinco horas depois desceram no apeadeiro da Aldeia de S. Sebastião e caminharam individualmente em direcção à mata escura de pinheiros altos. Piscaram as luzes duns faróis escondidos por entre o cheiro a eucalipto. Os três homens entraram na mala do carro. Tomé foi o último e antes de a fechar conseguiu ver que a lua crescente sorria para si.

domingo, 20 de setembro de 2009

O Salto


Quinta-feira, 17 de Setembro de 2009


Enfim Itália! Maria sorriu quando ouviu a voz metálico-anasalada de um dos membros da tripulação anunciar a aproximação ao aeroporto Ciampino, em Roma. Os passageiros deveriam naquele momento apertar os cintos de segurança, endireitar as costas das cadeiras e as mesas. Reparou que duas filas à sua frente, José levantava o dedo para chamar a hospedeira de bordo. Do fundo do corredor estreito apareceu, em compasso, o sorriso inflamado e impecavelmente trajado de vermelho e verde que, ao deter-se junto do passageiro número 27, logo se sumiu dando lugar à encenada expressão azeda Lamentamos, mas não servimos bebidas alcoólicas a bordo. Maria viu a mão direita de José chegar ao topo da sua cabeça e mecanicamente alisar o cabelo na direcção da testa. Três vezes. Ouviu um longo suspiro que lhe pareceu ser o dele e fechou os olhos. Pôs o i-pod a tocar La Revancha del Tango.

Por fim aterraram e José sentiu um enorme alívio que não quis admitir nem a si próprio. Continuava a ter medo de viajar de avião. Enquanto esperavam as respectivas bagagens miraram-se sem grande interesse, cada um imerso nos seus fúteis pensamentos: Maria questionava se a sua mala chegaria sem atrasos e José só pensava em fumar um cigarro. Se tivessem saído ao mesmo tempo e enfrentado a multidão expectante de familiares, amigos e cartazes com variados nomes saberiam que nenhum dos dois tinha ali alguém à sua espera.

Não foi difícil encontrar o bus que levaria os passageiros daquele voo à estação de autocarros de Fiumicino, e mais uma vez José reparou em Maria, sentada num dos lugares da janela, com auscultadores nos ouvidos, cabeça amparada no vidro e olhos fechados em brilho de raios de luz. Parecia murmurar algo em tom de melodia mas ele não parou para ouvir. Roma é Aroma e Amor, pensou Maria enquanto o autocarro entrava por mais uma rua plena de assimétricas varandas de vasos coloridos e portentosos cães passeados em trela Givenchy.
O cheiro morno de estação de autocarros, uma massa atarefada em sacos cheios e malas de rodinhas a cortar o chão, filas de espera ora de risos ora de rostos sisudos, de novos e velhos, de nacionais e estrangeiros, de corrida desenfreada até ao último segundo em que a porta já se reabre paciente. No momento em que José se colocava no último lugar da fila para a casa de banho, Maria pedia uma fatia de pizza napolitana e um copo de Montepulciano na estação ferroviária em frente contemplando, absorta, o vai e vem de combóios frenéticos, audazes e violentos que se cruzavam indiferentes perante si enquanto placidamente mastigava o Parmeggiano-Reggiano. É como ver o mundo todo a girar.
Quando a voz rouca de metal chamou para o autobus delle sete e trenta e os passageiros começaram a embarcar, Maria e José já se olharam com um sorriso como se fossem amigos. Iam para a mesma cidadezinha perdida no meio da bota, Roseto Degli Abruzzi.