segunda-feira, 16 de março de 2009

Drop Dead, Gorgeous!!


Em Cabo Verde, o homem manda em casa e à mulher compete mandar na cozinha. Não não, levantam-se as vozes das novas gerações pós-Independência, não não! Isso era dantes, no tempo dos nossos pais e avós. Hoje em dia o homem e a mulher desempenham iguais funções, salvaguardando a tendência natural que as senhoras têm para os cozinhados e os senhores para a mecânica, nós somos seres esclarecidos, estudámos fora, lemos bastante, somos os homens do século XXI, caramba! Concordamos que haja um dia especial nos tre-zen-tos-e-se-ssen-ta-e-cin-co do ano para honrar a mulher e em casa ajudamos no que podemos. Levamos o lixo e mudamos uma ou outra lâmpada. As nossas mulheres são Deusas, queremos que sejam felizes, oferecemos-lhes tudo o que podemos para tornar as tarefas domésticas mais fáceis e de vez em quando até ajudamos a dar a papa aos putos.


São estes os homens esclarecidos, cultos, estudados, viajados, info-incluídos sempre com uma palavra a dizer ou um dedo a apontar ao que está mal na nossa sociedade. São os homens do século XXI: cheirosos, aprumados, vaidosos, que por vezes se deixam convencer a usar um hidratante facial e um exfoliante para o corpo. São os homens modernos que compram casas com grandes varandas em busca de paz (ideal muito em voga), que fazem obras para se sentirem mais confortáveis, que passeiam pelo mundo no seu i-phone enquanto um vagabundo qualquer dá uma mija mesmo ali ao seu lado, que vêem A Quadratura do Círculo religiosamente na SicNotícias em África.


Inexplicavelmente são os mesmos homens que se deparam com uma recém-mamã e se escandalizam se a encontram fora de casa depois das 20 horas. Not Allowed! Mamã não é um ser humano (atenção: Humano), mamã não sente nada para além das necessidades do filho, mamã não pode querer dançar (mamã estará doida?), mamã não pode sorrir descontraída. Mamã não pode conviver com os amigos, mamã não pode ir para a fila da frente de um concerto saltar até as pernas quase cederem... rir satisfeita e até (oh pecado dos pecados) sentir-se um pouco adolescente. Não senhora!! Onde é que a mamã pensa que vai depois do sol desaparecer? Já para casa, sua parodienta, olhar as paredes do quarto do bebé enquanto este dorme e contar os minutos até ele acordar! Já para casa, sua parodienta, porque mamã não tem direitos (exceptuando o direito legal de amamentar e olha que sorte!), só obrigações, inúmeras e infindáveis obrigações. Engraçado que até a maioria das mulheres é profundamente machista, são as primeiras a sentirem-se incomodadas com a boa disposição da mamã. Que sorte, dizem elas com um meio sorriso, no meu tempo não era nada disto. (Tradução: a tua descontração e capacidade de ser Mãe e um ser humano individual e autónomo aflige-me os nervos!)


Assim, e em resposta às preocupações que o mundo manifesta ter com a mamã e sua prole, fica aqui a resposta para todos: o bebé está bem, ficou em casa a ver televisão e quando tiver fome vai ao frigorífico buscar o seu leitinho. Está bem assim?


Foto: fashion

segunda-feira, 9 de março de 2009

O mais belo poema das ilhas

Conquistou-me logo à primeira leitura quando o arquipélago era uma interrogação longínqua e a literatura das ilhas era ainda apenas objecto de estudo. Verdadeiro, puro, mágico e dotado de uma eloquente simplicidade que lembra Amado, Filinto Elísio a tomar as rédeas da Poiesis. Delicioso!

Acerca do Amor

Do amor só digo isto:

o sol adormece ao crepúsculo
no oferecido colo do poente
e nada é tão belo e íntimo.

O resto é business dos amantes.
Dizê-lo seria fragmentar a lua inteira.

Filinto Elísio, in Mirabilis de Veias ao Sol (Lisboa: Caminho, 1991)

Poesia no escudo cabo-verdiano


Cá em Cabo Verde é uma simples nota de 2,000$00 e com ela já não se compra grande coisa. Maquinalmente a retiramos da carteira, pagamos, recebemos o troco, levantamos um maço delas no multibanco. Raramente paramos e lemos. Um poema de Eugénio Tavares, a dor corrosiva de Amar quem não temos, de sentir a falta de quem já não está connosco. Lamecha, piroso ou já um clássico?


Segue a transcrição do poema da nota e sua tradução para a língua portuguesa.


Se é pam vivê na es mal
De ca tem
Quem que g'rem,
Ma'n g're morré sem luz
Na nha cruz,
Na es dor
De dâ nha bida
Na martírio de amor!

Eugénio Tavares


Se é para viver neste mal
De não ter
Quem eu quero,
Então quero morrer sem luz
na minha cruz,
Nesta dor
De dar a minha vida
Ao martírio do amor!

quinta-feira, 5 de março de 2009

Yuga


Sentias o barulho das molas do colchão a estalar e vinhas devagarinho. As tuas unhas batiam na soleira levemente como se fosses encantar o nosso sono. Abrias a porta com uma só patada (de tanto a abrires desenhaste as tuas marcas) e entravas de mansinho no meu quarto. Saltavas para junto dos meus pés, enroscavas-te todo no meu calor, suspiravas longamente e adormecias.



Da ponta da casa eu gritava: Vamos à Rua? Tu de imediato galgavas o corredor desenfreado, terminavas em apocalipse com um salto de bailarina e não descansavas enquanto não sentias a coleira apertar-te o pescoço. Freneticamente pueril. Descias o elevador em impaciência e quando a porta da rua se abria para ti tu abrias-te para a rua, caminhando com com passinhos rápidos e ávidos, tudo querendo descobrir, nenhum canto ficando por cheirar. Enfim cansado regressavas ao teu sofá onde te estendias a relaxar. Às vezes sonhavas e gemias baixinho.



Hoje já não te tenho. Ainda não acredito que nunca mais vou enfiar o nariz no teu pescoço, nunca mais te vou massajar as orelhas, não volto a passar a mão no teu pelo. Yuga Manuel. Cão mais lindo de todos para sempre connosco*